Pode-se dizer que Pero Vaz de Caminha (1450 - 1500) escreveu a primeira carta brasileira. Ele não era o escrivão oficial da esquadra de Pedro Álvares Cabral, a carta oficial se perdeu em um incêndio na Torre de Belém. 

Pero Vaz de Caminha

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São José de Anchieta SJ (San Cristóbal de La Laguna, 19 de março de 1534 — Piritiba, 9 de junho de 1597). 

Anchieta

São José de Anchieta SJ  também conhecido como Padre Anchieta ou simplesmente Anchieta, foi um padre jesuíta espanhol que ingressou na Companhia de Jesus no Reino de Portugal, ficando ao seu serviço.

Enviado para o Brasil para catequisar os índios,  foi um dos fundadores das cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Foi o primeiro dramaturgo, o primeiro gramático e o primeiro poeta nascido nas Ilhas Canárias. Também foi o autor da primeira gramática da língua tupi e um dos primeiros autores da literatura brasileira, para a qual compôs inúmeras peças teatrais e poemas de teor religioso e uma epopeia.

Considerado santo pela Igreja Católica, foi beatificado em 1980 pelo papa João Paulo II e canonizado em 2014 pelo papa Francisco.

Em 2010 seu nome foi inscrito no Livro de Aço dos heróis nacionais do Brasil depositado no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves. Em 2014 foi declarado padroeiro dos catequistas.

Padre António Vieira (1608 — 1697) missionário em terras brasileiras, foi personagem que se destacou na luta dos direitos dos povos indígenas, combatendo a exploração e escravização. Os índios o chamava de  "Paiaçu" (Grande Padre/Pai, em tupi). A luta pelos direitos dos povos indígenas continua.

Padre Antonio Vieira e o Sermão de Santo Antonio (Discurso aos Peixes)


Olhai, peixes, lá do mar para a terra. Não, não: não é isso o que vos digo. Vós virais os olhos para os matos e para o sertão? Para cá, para cá; para a cidade é que haveis de olhar. Cuidais que só os Tapuias se comem uns aos outros? Muito maior açougue é o de cá, muito mais se comem os Brancos. Vedes vós todo aquele bulir, vedes todo aquele andar, vedes aquele concorrer às praças e cruzar as ruas; vedes aquele subir e descer as calçadas, vedes aquele entrar e sair sem quietação nem sossego? Pois tudo aquilo é andarem buscando os homens como hão de comer e como se hão de comer. Morreu algum deles, vereis logo tantos sobre o miserável a despedaçá-lo e comê-lo. Comem-no os herdeiros, comem-no os testamenteiros, comem-no os legatários, comem-no os acredores; comem-no os oficiais dos órfãos e os dos defuntos e ausentes; come-o o médico, que o curou ou ajudou a morrer; come-o o sangrador que lhe tirou o sangue; come-a a mesma mulher, que de má vontade lhe dá para a mortalha o lençol mais velho da casa; come-o o que lhe abre a cova, o que lhe tange os sinos, e os que, cantando, o levam a enterrar; enfim, ainda o pobre defunto o não comeu a terra, e já o tem comido toda a terra. Já se os homens se comeram somente depois de mortos, parece que era menos horror e menos matéria de sentimento. Mas para que conheçais a que chega a vossa crueldade, considerai, peixes, que também os homens se comem vivos assim como vós. Vivo estava Job, quando dizia: Quare persequimini me, et carnibus meis saturamini? «Porque me perseguis tão desumanamente, vós, que me estais comendo vivo e fartando-vos da minha carne?» Quereis ver um Job destes? Vede um homem desses que andam perseguidos de pleitos ou acusados de crimes, e olhai quantos o estão comendo. Come-o o meirinho, come-o o carcereiro, come-o o escrivão, come-o o solicitador, come-o o advogado, come-o o inquiridor, come-o a testemunha, come-o o julgador, e ainda não está sentenciado, já está comido. São piores os homens que os corvos. O triste que foi à forca, não o comem os corvos senão depois de executado e morto; e o que anda em juízo, ainda não está executado nem sentenciado, e já está comido.

Escrito pelo poeta Gonçalves Dias (1823-1864), Juca Pirama foi publicado em em 1851. O trecho abaixo retrata a situação do índio guerreiro capturado pelo tribo dos Timbiras com rituais antropofágicos, mas que com estes faz um acordo: primeiro cuidar de seu pai, para depois ser sacrificado. O Pai desconhece o acordo e dirige a sua forte fala ao filho. Em Tupi “Juca-Pirama” significa “Aquele que deve morrer”

Gonçalves Dias e um pouco de Juca Pirama

"Tu choraste em presença da morte? Na presença de estranhos choraste? Não descende o cobarde do forte; Pois choraste, meu filho não és! Possas tu, descendente maldito De uma tribo de nobres guerreiros, Implorando cruéis forasteiros, Seres presa de vis Aimorés. Possas tu, isolado na terra, Sem arrimo e sem pátria vagando, Rejeitado da morte na guerra, Rejeitado dos homens na paz, Ser das gentes o espectro execrado; Não encontres amor nas mulheres, Teus amigos, se amigos tiveres, Tenham alma inconstante e falaz! "Não encontres doçura no dia, Nem as cores da aurora te ameiguem, E entre as larvas da noite sombria Nunca possas descanso gozar: Não encontres um tronco, uma pedra, Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos, Padecendo os maiores tormentos, Onde possas a fronte pousar. "Que a teus passos a relva se torre; Murchem prados, a flor desfaleça, E o regato que límpido corre, Mais te acenda o vesano furor; Suas águas depressa se tornem Ao contacto dos lábios sedentos, Lago impuro de vermes nojentos, Donde fujas com asco e terror! "Sempre o céu, como um teto incendido, Creste e punja teus membros malditos E oceano de pó denegrido Seja a terra ao ignavo tupi! Miserável, faminto, sedento, Manitôs lhe não falem nos sonhos, E do horror os espectros medonhos Traga sempre o cobarde após si. "Um amigo não tenhas piedoso Que o teu corpo na terra embalsame, Pondo em vaso d'argila cuidoso Arco e frecha e tacape a teus pés! Sê maldito, e sozinho na terra; Pois que a tanta vileza chegaste, Que em presença da morte choraste, Tu, cobarde, meu filho não és.".

Joaquim Maria Machado de Assis (1839 – 1908) é considerado por muitos o maior nome da literatura brasileira. Poeta, romancista, cronista, dramaturgo, contista, folhetinista, jornalista e crítico literário, Machado de Assis escreveu em todos os gêneros literários.  

Machado de Assis

AO VERME QUE PRIMEIRO ROEU AS FRIAS CARNES DO MEU CADÁVER DEDICO COMO SAUDOSA LEMBRANÇA ESTAS MEMÓRIAS PÓSTUMAS

Ao Leitor

Que, no alto do principal de seus livros, confessasse Stendhal havê-lo escrito para cem leitores, coisa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinqüenta, nem vinte, e quando muito, dez, Dez? Talvez cinco. Trata-se, na verdade, de uma obra difusa, na qual eu, Brás Cubas, se adotei a forma livre de um Stern de um Lamb ou de um de Maistre, não sei se lhe meti algumas rabugens de pessimismo. Pode ser. Obra de finado. Escrevia-a com a pena da galhofa e a tinta da melancolia; e não é difícil antever o que poderá sair desse conúbio. Acresce que a gente grave achará no livro umas aparências de puro romance, ao passo que a gente frívola não achará nele o seu romance usual; e ei-

Óbito do Autor
Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim,  isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo; diferença radical entre este livro e o Pentateuco. Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos. Onze amigos! Verdade é que não houve cartas nem anúncios. Acresce que chovia - peneirava - uma chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e tão triste, que levou um daqueles fiéis da última hora a intercalar esta engenhosa idéia no discurso que proferiu à beira de minha cova: -- "Vós, que o conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que tem honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má que lhe rói à natureza as mais íntimas entranhas; tudo isso é um sublime louvor ao nosso ilustre finado." Trecho Inicial de Memórias Póstumas de Brás Cubas

A poesia de Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (1884 – 1914) escapa a qualquer tentativa de rótulo ou escola. Já foi identificada como simbolista, parnasiana e pré-modernista.  É um dos poetas mais lidos no Brasil.

Augusto do Anjos

Versos íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo.
Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha (1866 – 1909) foi um escritor e jornalista brasileiro. Como jornalista cobriu alguns dos principais acontecimentos de sua época, como a Guerra de Canudos, narrada em Os Sertões. 

Euclides da Cunha

OS SERTÕES
Euclides da Cunha

Nota Preliminar

Escrito nos raros intervalos de folga de uma carreira fatigante, este livro, que a princípio se resumia à história da Campanha de Canudos, perdeu toda a atualidade, remorada a sua publicação em virtude de causas que temos por escusado apontar. Demos -lhe, por isto, outra feição, tomando apenas variante de assunto geral o tema, a princípio dominante, que o sugeriu. Intentamos esboçar, palidamente embora, ante o olhar de futuros historiadores, os traços atuais mais expressivos das sub-raças sertanejas do Brasil. E fazêmo-lo porque a sua instabilidade de complexos de fatores múltiplos e diversamente combinados, aliada às vicissitudes históricas e deplorável situação mental em que jazem, as tomam talvez efêmeras, destinadas a próximo desaparecimento ante as exigências crescentes da civilização e a concorrência material intensiva das correntes migratórias que começam a invadir profundamente a nossa terra. O jagunço destemeroso, o tabaréu ingênuo e o caipira simplório serão em breve tipos relegados às tradições evanescentes, ou extintas. Primeiros efeitos de variados cruzamentos, destinavam-se talvez à formação dos princípios imediatos de uma grande raça. Faltou-lhes, porém, uma situação de parada, o equilíbrio, que Ihes não permite mais a velocidade adquirida pela marcha dos povos neste século. Retardatários hoje, amanhã se extinguirão de todo. A civilização avançará nos sertões impelida por essa implacável "força motriz da História" que Gumplowicz, maior do que Hobbes, lobrigou, num lance genial, no esmagamento inevitável das raças fracas pelas raças fortes. A campanha de Canudos tem por isto a significação inegável de um primeiro assalto, em luta talvez longa. Nem enfraquece o asserto o termo-la realizado nós filhos do mesmo solo, porque, etnologicamente indefinidos, sem tradições nacionais uniformes, vivendo parasitariamente à beira do Atlântico, dos princípios civilizadores elaborados na Europa, e armados pela indústria alemã — tivemos na ação um papel singular de mercenários inconscientes. Além disto, mal unidos àqueles extraordinários patrícios pelo solo em parte desconhecido, deles de todo nos separa uma coordenada histórica — o tempo. Aquela campanha lembra um refluxo para o passado. E foi, na significação integral da palavra, um crime. Denunciemo-lo.

José Bento Renato Monteiro Lobato (1882 – 1948) escritor brasileiro, é mais conhecido por sua obra de livros infantis, contigo seus artigos, críticas, crônicas, prefácios, cartas e livros devem ser lidos tamanha a sua dimensão política e sociológica. O livro Urupês é considerado sua obra prima como escritor.  Criou a "Editora Monteiro Lobato" e mais tarde a "Companhia Editora Nacional". Foi um dos primeiros autores de literatura infantil de nosso país e de toda América Latina.

Monteiro Lobato

O Presidente Negro

1. O DESASTRE

Achava-me um dia diante dos guichês do London Bank á espera de que o pagador gritasse a minha chapa, quando vi a cochilar num banco ao fundo certo corretor de negócios meu conhecido. Fui-me a ele, alegre da oportunidade de iludir o fastio da espera com uns dedos de prosa amiga.

— Esperando sua horinha, hein? disse-lhe com um tapa amigável no ombro, enquanto me sentava ao seu lado. — É verdade. Espero pacientemente que me cantem o numero 4, e enquanto espero filosofo sobre os males que traz á vida a deshonestidade dos homens.
— ?
— Sim, porque se não fosse a deshonestidade dos homens tudo se simplificaria grandemente. Esta demora no pagamento do mais simples cheque, donde provém? Da necessidade de controle em vista dos artifícios da deshonestidade. Fossem todos os homens sérios, não houvesse hipotese de falsificações ou abusos, e o recebimento de um dinheiro far-se-ia instantaneo. Ponho-me ás vezes a imaginar como seriam as coisas cá na terra se um sabio eugenismo désse combate á deshonestidade por meio da completa eliminação dos deshonestos..

Lima Barreto (1881-1922) foi um escritor brasileiro, “o romancista da primeira república.” Foi um importante escritor do Pré-Modernismo - período histórico que precedeu a Semana de Arte Moderna.

Lima Barreto

Adaptado de Dilva Frazão

Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu em Laranjeiras, Rio de Janeiro no dia 13 de maio de 1881. Filho do tipógrafo Joaquim Henriques de Lima Barreto e da professora primária Amália Augusta, ambos mestiços e pobres, sofreu preconceito racial a vida toda. Aos sete anos de idade, ficou órfão de mãe. Foi obrigado a abandonar o curso de Engenharia, pois seu pai enlouqueceu e o sustento dos três irmãos passou a ser de sua responsabilidade. Em 1904, prestou concurso para escriturário do Ministério da Guerra, foi aprovado e permaneceu na função até se aposentar. Em 1905, ingressou no jornalismo com uma série de reportagens que escreveu para o Correio da Manhã. Em 1907 fundou a revista “Floreal”, que lança apenas quatro números.

Em 1909, Lima Barreto estreou na literatura com a publicação do romance Recordações do Escrivão Isaías Caminha. O texto acompanha a trajetória de um jovem mulato que vindo do interior sofre sérios preconceitos raciais. A obra, em tom autobiográfico, é um brado de revolta contra o preconceito racial e uma implacável sátira ao jornalismo carioca. A crítica social paira em um plano psicológico: muitas vezes quem fala é o próprio autor e não seu personagem-narrador Isaías Caminha.

Em 1915, depois de ter publicado em folhetos, Lima Barreto publica o livro Triste Fim de Policarpo Quaresma, sua obra-prima. Nesse romance, o autor descreve a vida política no Brasil após a Proclamação da República.

A obra de Lima Barreto representou a fase de transição da literatura em que as influências europeias vão se exaurindo e surge uma verdadeira renovação da linguagem e da ideologia. Esse período que não chegou a constituir um movimento literário foi denominado de Pré-Modernismo. Entre outros autores do Pré-Modernismo destacam-se "Euclides da Cunha" e "Monteiro Lobato".

Embora os autores do Pré-Modernismo ainda estivessem presos aos modelos do romance realista-naturalista, se observa na obra de Lima Barreto, a busca por uma linguagem mais simples e coloquial.
Lima Barreto procurou “escrever brasileiro”, com simplicidade.

Ao produzir uma literatura inteiramente desvinculada dos padrões e do gosto vigente, Lima Barreto recebeu severas críticas dos letrados tradicionais. Lima Barreto com seu espírito inquieto e rebelde, com seu inconformismo com as injustiças sociais, com a mediocridade reinante e com a doença do pai, se entregou ao álcool e teve diversas crises de alienação mental.

Lima Barreto foi internado duas vezes com alucinações fantásticas que o perseguiam. No momento de lucidez iniciou a redação do livro "Cemitério dos Vivos", onde ele dizia: "O abismo abriu-se a meus pés e peço a Deus que jamais ele me trague, nem mesmo o veja diante dos meus olhos como vi por várias vezes. Escreveu: De mim para mim, tenho certeza que não sou louco ..." Lima Barreto viveu apenas 41 anos

Graciliano Ramos de Oliveira (Quebrangulo, 27 de outubro de 1892 – Rio de Janeiro, 20 de março de 1953) foi um romancista, cronista, contista, jornalista, político e memorialista brasileiro do século XX. 

Graciliano Ramos

Graciliano Ramos é mais conhecido pela sua obra Vidas Secas de 1938, na qual retrata a vida no sertão do Nordeste brasileiro com detalhes da dura vida dos que lá vivem, contudo já havia publicado  Angústia (1936), considerada por muitos críticos como sua melhor obra. Com a sua representação da angústia existencial, pode ser considerado um precursor do existencialismo (uma interferência direta do Existencialismo).Após publicar Vidas Secas, estabeleceu-se no Rio de Janeiro, como inspetor federal de ensino. Em 1945, ingressou no Partido Comunista Brasileiro de orientação soviética e sob o comando de Luís Carlos Prestes. Nos anos seguintes, realiza viagens a países europeus com a segunda esposa, conforme relata no livro Viagem. Em 1945, publicou Infância, relato autobiográfico. Após sua orte foi publicada Memórias do Cárcere.

Quem consegue esquecer a cachorrinha Baleia?

Trecho de Vidas Secas

Capítulo 1

NA PLANÍCIE avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da catinga rala. Arrastaram-se para lá, devagar, Sinha Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás. Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. O menino mais velho pôs-se a chorar, sentou-se no chão. – Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai. Não obtendo resultado, fustigou-o com a bainha da faca de ponta. Mas o pequeno esperneou acuado, depois sossegou, deitou-se, fechou os olhos. Fabiano ainda lhe deu algumas pancadas e esperou que ele se levantasse. Como isto não acontecesse, espiou os quatro cantos, zangado, praguejando baixo. A catinga estendia-se, de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas. O vôo negro dos urubus fazia círculos altos em redor de bichos moribundos. – Anda, excomungado. Anúncios DENUNCIAR ESTE ANÚNCIO O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração grosso, queria responsabilizar alguém pela sua desgraça. A seca aparecia-lhe como um fato necessário – e a obstinação da criança irritava-o. Certamente esse obstáculo miúdo não era culpado, mas dificultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar, não sabia onde. Tinham deixado os caminhos, cheios de espinho e seixos, fazia horas que pisavam a margem do rio, a lama seca e rachada que escaldava os pés. Pelo espírito atribulado do sertanejo passou a idéia de abandonar o filho naquele descampado. Pensou nos urubus, nas ossadas, coçou a barba ruiva e suja, irresoluto, examinou os arredores. Sinha Vitória estirou o beiço indicando vagamente uma direção e afirmou com alguns sons guturais que estavam perto. Fabiano meteu a faca na bainha, guardou-a no cinturão, acocorou-se, pegou no pulso do menino, que se encolhia, os joelhos encostados no estômago, frio como um defunto. Aí a cólera desapareceu e Fabiano teve pena. Impossível abandonar o anjinho aos bichos do mato. Entregou a espingarda a Sinha Vitória, pôs o filho no cangote, levantou-se, agarrou os bracinhos que lhe caíam sobre o peito, moles, finos como cambitos. Sinha Vitória aprovou esse arranjo, lançou de novo a interjeição gutural, designou os juazeiros invisíveis. E a viagem prosseguiu, mais lenta, mais arrastada, num silencio grande. Ausente do companheiro, a cachorra Baleia tomou a frente do grupo. Arqueada, as costelas à mostra, corria ofegando, a língua fora da boca. E de quando em quando se detinha, esperando as pessoas, que se retardavam.

Erico Lopes Verissimo (1905 - 1975) foi um dos escritores brasileiros mais populares do século XX.

Érico Veríssimo

Um Certo Capitão Rodrigo

Toda a gente tinha achado estranha a maneira como o capitão Rodrigo Cambará entrara na vida de Santa Fé. Um dia chegou a cavalo, vindo ninguém sabia de onde, com o chapéu de barbicacho puxado para a nuca, a bela cabeça de macho altivamente erguida, e aquele seu olhar de gavião que irritava e ao mesmo tempo fascinava as pessoas. Devia andar lá pelo meio da casa dos trinta, montava um alazão, trazia bombachas claras, botas com chilenas de prata e o busto musculoso apertado num dólmã militar azul, com gola vermelha e botões de metal. Tinha um violão a tiracolo; sua espada, apresilhada aos arreios, rebrilhava ao sol daquela tarde de outubro de 1828 e o lenço encarnado que trazia ao pescoço esvoaçava no ar como uma bandeira. Apeou na frente da venda do Nicolau, amarrou o alazão no tronco dum cinamomo, entrou arrastando as esporas, batendo na coxa direita com o rebenque, e foi logo gritando, assim com ar de velho conhecido:

- Buenas e me espalho! Nos pequenos dou de prancha e nos grandes dou de talho!

Havia por ali uns dois ou três homens, que o miraram de soslaio sem dizer palavra. Mas dum canto da sala ergueu- se um moço moreno, que puxou a faca, olhou para Rodrigo e exclamou:-

Pois dê!

Os outros homens afastaram-se como para deixar a arena livre, e Nicolau, atrás do balcão, começou a gritar:

- Aqui dentro não! Lá fora! Lá fora!

Rodrigo, porém, sorria, imóvel, de pernas abertas, rebenque pendente do pulso, mãos na cintura, olhando para o outro com um ar que era ao mesmo tempo de desafio e simpatia.

Nelson Falcão Rodrigues (1912 — 1980) foi um escritor, jornalista, romancista e influente teatrólogo brasileiro.

Nélson Rodrigues

Se não fosse a passagem em João 8:11,  na qual Jesus ordena para a mulher adúltera “vá e não peques mais", não teríamos a obra de Nélson Rodrigues. As incontáveis  personagens de Nélson Rodrigues  são movidas a impulsos irracionais, desejos e se encontram em estado de profunda culpa,  profundo arrependimento e mortificadas por algum pecado cometido, Outras personagens são de tal forma atormentadas pelos seus desejos inconscientes que se revelam como pervertidas diante de uma sociedade repressora. Nelson Rodrigues descreve de forma única os valores da sociedade brasileira. Ainda que sua escrita seja típica dos anos 50 e 60, o conteúdo é atemporal. 

Algumas frases polêmicas de Nelson Rodrigues:

"A adúltera é a única mulher honesta,"
"Só acredito nas pessoas que ainda se ruborizam."
"Sou reacionário. Minha reação é contra tudo que não presta."
"Entre o psicanalista e o doente, o mais perigoso é o psicanalista."
"Toda mulher bonita é um pouco a namorada lésbica de si mesma."
"Não se apresse em perdoar. A misericórdia também corrompe."
"Toda mulher gosta de apanhar. O homem é que não gosta de bater."
"O jovem tem todos os defeitos do adulto e mais um: — o da imaturidade."
"Não há admiração mais deliciosa do que a do inimigo."
"O artista tem que ser gênio para alguns e imbecil para outros. Se puder ser imbecil para todos, melhor ainda."
"Todo amor é eterno e, se acaba, não era amor."
"Qualquer indivíduo é mais importante do que toda a Via Láctea."
"Não existe família sem adúltera."
"Toda unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar."
"A vida é a arte de não fazer favores. Nada ofende mais do que o benefício, nada agride mais do que o favor."
"As feministas querem reduzir a mulher a um macho mal-acabado."
"Dinheiro compra tudo. Até amor verdadeiro."
"Invejo a burrice, porque é eterna."
"O brasileiro é um feriado."
"A educação sexual só devia ser dada por um veterinário."
"Na vida, o importante é fracassar."

Clarice Lispector, nascida Chaya Pinkhasivna Lispector nasceu na Ucrânia em 1920 e faleceu no Rio de Janeiro em 1977). Autora de romances, contos, e ensaios, é considerada uma das escritoras brasileiras mais importantes do século XX e a maior escritora judia desde Franz Kafka. Não reconhecia ligações com a Ucrânia, considerava-se brasileira, pois aqui cresceu. 

Clarice Lispector

"Olhe, tenho uma alma muito prolixa e uso poucas palavras. Sou irritável e firo facilmente. Também sou muito calmo e perdoo logo. Não esqueço nunca. Mas há poucas coisas de que eu me lembre."  

"Que minha solidão me sirva de companhia. que eu tenha a coragem de me enfrentar. que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo."

"Quando fazemos tudo para que nos amem e não conseguimos, resta-nos um último recurso: não fazer mais nada. Por isso, digo, quando não obtivermos o amor, o afeto ou a ternura que havíamos solicitado, melhor será desistirmos e procurar mais adiante os sentimentos que nos negaram. Não fazer esforços inúteis, pois o amor nasce, ou não, espontaneamente, mas nunca por força de imposição. Às vezes, é inútil esforçar-se demais, nada se consegue; outras vezes, nada damos e o amor se rende aos nossos pés. Os sentimentos são sempre uma surpresa. Nunca foram uma caridade mendigada, uma compaixão ou um favor concedido. Quase sempre amamos a quem nos ama mal, e desprezamos quem melhor nos quer. Assim, repito, quando tivermos feito tudo para conseguir um amor, e falhado, resta-nos um só caminho... o de mais nada fazer."

Ferreira Gullar, pseudônimo de José Ribamar Ferreira (São Luís, 10 de setembro de 1930 — Rio de Janeiro, 4 de dezembro de 2016), foi um escritor, poeta, crítico de arte, biógrafo, tradutor, memorialista, ensaísta brasileiro e um dos fundadores do neoconcretismo. Foi o postulante da cadeira 37 da Academia Brasileira de Letras, na vaga deixada por Ivan Junqueira, da qual tomou posse em 5 de dezembro de 2014.

Ferreira Gullar

Poema Sujo (trecho)
Ferreira Gullar
turvo turvo
a turva
mão do sopro
contra o muro
escuro
menos menos
menos que escuro

menos que mole e duro
menos que fosso e muro: menos que furo
escuro
mais que escuro:
claro
como água?
como pluma?
claro mais que claro
claro: coisa alguma
e tudo
(ou quase)
um bicho que o universo fabrica
e vem sonhando desde as entranhas
azul 
era o gato
azul era o galo
azul
o cavalo
azul
teu cu
tua gengiva igual a tua bocetinha
que parecia sorrir
entre as folhas de banana
entre os cheiros de flor
e bosta de porco
aberta como uma boca do corpo
(não como a tua boca de palavras)
como uma
entrada para
eu não sabia tu
não sabias
fazer girar a vida
com seu montão de estrelas e oceano
entrando-nos em ti
bela bela
mais que bela
mas como era o nome dela?
Não era Helena nem Vera
nem Nara nem Gabriela
nem Tereza nem Maria
Seu nome seu nome era…
Perdeu-se na carne fria
perdeu na confusão de tanta noite e tanto dia

Plínio Marcos de Barros (Santos, 29 de setembro de 1935 — São Paulo, 19 de novembro de 1999)

Plínio Marcos

Plínio Marcos foi um escritor, autor, ator, diretor de teatro e jornalista brasileiro. Escreveu inúmeras peças de teatro, inclusive na época do regime militar.  De família modesta, Plínio Marcos terminou apenas o curso primário. Foi funileiro, jogador de futebol e chegou a trabalhar em circo.  Atuou em rádio e também na televisão. Por influência da escritora e jornalista Pagú, começou a se envolver com teatro amador, em Santos. Impressionado por um caso verídico de um jovem currado na cadeia, escreveu Barrela, sua primeira peça teatral, que pela sua linguagem crua permaneceu proibida durante 21 anos após a primeira apresentação. Em 1960, com 25 anos, foi para São Paulo, onde trabalhou como camelô, ator de teatro e de TV. Em 1965 conseguiu encenar Reportagem de Um Tempo Mau, colagem de textos de vários autores, e que ficou apenas um dia em cartaz. Em 1968 participou como ator da telenovela Beto Rockfeller, vivendo o cômico motorista Vitório. Duas de suas peças, A Navalha na Carne (1969) e Dois Perdidos numa Noite Suja (1970) foram adaptadas para o cinema.  Nos anos 1970, Plínio Marcos voltou a investir no teatro, chegado ele mesmo a vender os ingressos na entrada das casas de espetáculo. Ao fim da peça, como a de "Jesus-Homem", ele subia ao palco e conversava com a plateia. Na década de 1980, apesar da censura, Plínio Marcos viveu sem fazer concessões, sendo intensamente produtivo e norteado pela cultura popular. Escreveu nos jornais Última Hora, Diário da Noite, Guaru News, Folha de São Paulo, Folha da Tarde, Diário do Povo  e também na revista Veja, além de colaborar com diversas publicações, como Opinião, O Pasquim, Versus, Placar. Após a censura, Plínio continuou a escrever romances e peças de teatro, tanto adultas como infantis. Chegou a vender pessoalmente seus livros nas ruas e faculdades de São Paulo. Tornou-se palestrante, chegando a fazer 150 palestras-shows por ano, vestido de preto, portando um cetro (bastão encimado por uma cruz) e com aura mística de leitor de tarô. Plínio Marcos foi traduzido, publicado e encenado em francês, espanhol, inglês e alemão, além de ser estudado em teses de sociolinguística, semiologia, psicologia da religião, dramaturgia e filosofia, em universidades do Brasil e do exterior. Recebeu os principais prêmios nacionais em todas as atividades que abraçou em teatro, cinema, televisão e literatura, como ator, diretor, escritor e dramaturgo. 

Paulo Leminski Filho (Curitiba, 24 de agosto de 1944 — Curitiba, 7 de junho de 1989) foi um escritor, poeta, crítico literário, tradutor e professor brasileiro.  Desenvolveu uma poesia própria onde misturava trocadilhos, brincadeiras com ditados populares , além de utilizar de gírias e palavrões.

Paulo Leminski

Dor elegante

Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Chegasse mais adiante
Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha
Ópios, édens, analgésicos
Não me toquem nesse dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra

O que quer dizer
O que quer dizer diz.
Não fica fazendo
o que, um dia, eu sempre fiz.
Não fica só querendo, querendo,
coisa que eu nunca quis.
O que quer dizer, diz.
Só se dizendo num outro
o que, um dia, se disse,
um dia, vai ser feliz.

Caio Fernando Loureiro de Abreu (1948 — 1996) foi jornalista, dramaturgo e escritor brasileiro, apontado como um dos maiores  expoentes de sua geração. A obra de Caio Fernando Abreu é escrita de forma bem pessoal, tendo coo temas privilegiados o sexo, a solidão e o medo da morte. 

Os Morangos Mofados de Caio Fernando Abreu

O que significa Morangos mofados? Morangos Mofados é o quarto livro de contos de Caio Fernando Abreu, sendo considerado sua obra-prima pela crítica literária. Escrito em 1982 , foi aclamado como o melhor livro daquele ano.  Contos como "Sargento Garcia" impactaram o leitor brasileiro inaugurando um estilo único.

Ruy Proença (1957 -  ) estreou em livro com Pequenos séculos (Klaxon, 1985), seguindo-se A lua investirá com seus chifres (Giordano, 1996), Como um dia come o outro (Nankin, 1999), Visão do térreo; projeto selecionado pelo Programa de Ação Cultural do Governo do Estado de São Paulo), Coisas daqui (2007) e Caçambas (2016).

Ruy Proença

FUNDO DA CARTOLA
Ruy Proença

quem te espera no fundo do universo? o que te aguarda? um cabide para, cansado, pendurar a roupa? teu avô alemão que abandonou o corpo em tuas mãos e partiu em sã consciência? uma lata de lixo, para se desfazer dos últimos apegos, das últimas ilusões, das últimas más notícias? um cachorro que te ama quem sabe mais que teus próximos? uma boa cama com abajur para ler teus livros? haverá sol no fundo do universo para um banho de sol? que lua carunchada ainda subirá ao palco do firmamento para que se renove o pacto do amor? Bernardo Soares te aguardará burocraticamente na mesa de bar para um brinde pós-expediente? haverá um milhão de spams no fundo do universo? terás a mulher que queres, contagiosa, na cama que escolherás? um sistema de alarme ainda será necessário para te proteger das perversidades? haverá trilha sonora? Appassionata, de Beethoven? Três da madrugada, de Torquato?

Fernanda Maria Young de Carvalho Machado (1970 - 2019) foi uma roteirista e escritora brasileira que também  trabalhou como apresentadora, atriz, autora e diretora de teatro.

Fernanda Young

Segue abaixo o primeiro capítulo do livro Tudo o Que Você Não Sabia, um retrato do jovem brasileiro nos anos 80.

I
Era início da década de 1980 e não tinha muito jeito: você se tornava um babaca ou um doidão. Diferente dos anos 1960, em que as drogas serviram de ponte para ideologias, e dos 1970, quando se drogar era a maneira de participar daquela cafonice, ser doidão nos 1980 não significava realmente nada. Ninguém tomava coisas para ficar “curtindo um som”, nem para ter sacações, nem para fazer coreografias em boates espelhadas, nem para entender a mensagem subliminar do rock progressivo. As substâncias, todas e muitas, consumidas naquela época escaparam dos contextos sociológicos. Precisávamos sobreviver? Sim, mas isso é desculpa que vale para tudo. Sendo que não estou me desculpando. Então, 1983, babaca ou doidão. E ocorria muito de os babacas serem doidões – os yuppies – e de o sdoidões serem babacas – os new wave. Eu sei que esta parece uma conversa estranha para se ter com alguém que está morrendo, mas é justamente por causa disso. Não quero que o meu pai morra pensando que eu sou uma babaca, quando na verdade eu fui uma doidona. Seria injusto comigo, e eu não mereço. Lógico, eu não acho que você pense assim de mim: “ah, a minha filha é uma babaca”. Esta palavra, babaca, não passaria pela sua cabeça, eu sei. Falo do equivalente à ideia de babaquice dentro do seu vocabulário – tenho certeza deque você me encaixa nessa categoria. E está totalmente errado. Daí a necessidade deste detalhamento ao qual me proponho, já meio que previamente arrependida. Portanto, retomando do princípio, que não me parece tão distante, mesmo tendo se passado tanto tempo: eu com 10 anos de idade. Achando que lança-perfume era a coisa mais perigosa do mundo, pois tinha visto uma moça cheirando um lenço, no réveillon, e aquilo me deixara altamente impressionada; diria até amedrontada. Lá em casa, entorpecentes eram bolinhas que se jogavam nas bebidas dos outros, levando qualquer um a matar a própria mãe. A ideia de poder me tornar uma viciada assassina por meio de um lenço era assustadora. Foi quando caiu em minhas mãos o livro Eu, Christiane F., 13 anos, drogada e prostituída. Uma leitura com prós e contras, pedagogicamente falando. Os contras, para mim, resumiram-se numa estranha atração por tudo aquilo. Aquelas fotos, sei lá. Junkies alemães dão cenas muito fortes. E fui tomada pela mais pura curiosidade mórbida. Curiosa e com medo – eis uma forte candidata a caso perdido. Afinal, sim, é terrível aquela situação; mas mil vezes estar descaceta da numa rua de Berlim, chupando picas azedas pelos becos, do que estar em Niterói, assistindo ao Silvio Santos falar sobre seu carnê. Mil vezes ficar jogada na sarjeta da Kurfürstendamm do que passar os feriadões em Araruama. Numa casinha mínima, emprestada de não sei quem, muito mais longe da praia do que o apartamento em que morávamos. Mas todos tínhamos que nos despencar para lá, e ficar felizes em dormir pelo chão, e ver televisão com fantasma, porque era férias e ia dar para viajar. Se você não quer que sua filha se torne uma Christiane F., desculpe, deve oferecer a ela melhores opções do que as que me ofereceram. Ninguém aguenta uma realidade tão intensamente medíocre quanto aquela. Então, fumei um cigarro e achei maravilhoso. Lembro bem da sensação, que me pareceu de delícia absoluta, do meu corpo ficando dormente a partir da ponta dos dedos. Fumar escondido tornou coisas como feriados em Araruama imediatamente mais interessantes. Já que, sentada em qualquer janela, de madrugada, junto com o meu Hollywood, eu estava tendo minhas primeiras experiências no ramo em que me notabilizaria: o da ilegalidade. Logo depois, viria aquele copo de requeijão cheio de Campari ,tomado num só fôlego, que me introduziu no mundo dos porres completos. Nunca mais bebi Campari, enjoo só de pensar; mas virei adepta do hábito pirata, do álcool num único gole. Daí para a chamada perdição foi uma ida até a próxima esquina. Coisa triste de uma filha dizer a um pai. Ainda mais, sendo justamente esta a sua intenção.

Júlio Cesar Bernardo, também conhecido por J.B. é um escritor paulistano e produtor cultural.

Júlio César Bernardo - JB

Júlio Cesar Bernardo, também conhecido como J.B., é um escritor paulistano que com humor próprio, onde transborda  a ironia e crítica de costumes e valores da sociedade  contemporânea.  

PÃO COM MORTADELA

as primeiras lembranças de pão com mortadela que tenho vem das pós-peladas no parque da lapa ainda na infância, quando eu e meus comparsas comíamos no armazém de secos e molhados vários sanduíches regados a muita tubaína. zero romantismo, simplesmente era o que dava pra pagar até hoje me amarro no sanduba, embora a experiência no ramo no qual atuo fez que com que refinasse um pouco os ingredientes, mas sem descaracterizar a parada bom pão, 100g da melhor mortadela que encontrar – nem sempre encontro ou posso comprar a que quero – e tá montado o lanche da tarde ou a ceia da noite talvez tudo já tenha sido dito sobre a versão servida no bar do mané e nos boxes vizinhos dessa praça de alimentação de péssimo gosto que dominou boa parte do bonito mercado municipal da cantareira, chamado por tantos como mercadão meu primeiro texto mesmo sobre a anomalia data de 2007 ou 2008, sou péssimo sentinela de meus próprios textos. mas fato é que não é de hoje que aquilo se tornou algo imordível destruidor mandibular os mais velhos se lembrarão que o referido era um pouco menos tosco e que chegou a ser consumido pela classe trabalhadora que abastece o próprio mercado quando o valor cobrado não era proibitivo mas o paulistano médio fode tudo e adora gourmetizar comida cotidiana pra celebrar algo que só existe em sua cabeça deixei de chamar o sanduíche de macumba pra turista por respeito aos macumbeiros e pena dos turistas mas pedirei um troço pra você que tá me lendo agora que tal parar de glamourizar coisas tão simples?

Mar Becker (Marceli Andresa Becker) escritora e poeta brasileira, tem formação em Filosofia com especialização em metafísica e epistemologia. Possui versos A sua obra  A mulher submersa, seu livro de estreia (2020) foi publicado no Brasil e em vários outros países da Europa. O seu segundo livro, intitulado Sal, apresenta uma poesia mais abstrata. 

Mar Becker

Ao teu lado

toda a história do amor:
acordar ao teu lado
de bruços
a penugem das costas,
em remoinho
(e esta ave nascida bem no meio das hastes
das duas pontas de faca
das omoplatas)

Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa, 1888 – Lisboa, 1935) foi poeta, filósofo, dramaturgo, ensaísta, tradutor, crítico literário e comentarista político português.

Fernando Pessoa

Fernando Pessoa é o mais universal poeta português. Educado na África do Sul, em uma escola católica irlandesa, chegou a ter maior familiaridade com o idioma inglês do que com o português.  Fernando Pessoa traduziu várias obras do inglês para o português , incluindo Shakespeare e Edgar Allan Poe. Enquanto poeta, escreveu sob diversos heterónimos: Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Alberto Caeiro –, sendo estes últimos objeto da maior parte dos estudos sobre a sua vida e obra. É considerado um dos maiores expoentes da literatura mundial. 

Alberto Caeiro
O Guardador de Rebanhos VIII

Num meio-dia de fim de Primavera Tive um sonho claro como uma fotografia. Vi Jesus Cristo descer à terra. Veio pela encosta de um monte Tornado outra vez menino, A correr e a rolar-se pela erva E a arrancar flores para as deitar fora E a rir de modo a ouvir-se de longe. Tinha fugido do céu. Era nosso demais para fingir De segunda pessoa da Trindade. No céu era tudo falso, tudo em desacordo Com flores e árvores e pedras. No céu tinha que estar sempre sério E de vez em quando de se tornar outra vez homem E subir para a cruz, e estar sempre a morrer Com uma coroa toda à roda de espinhos E os pés espetados por um prego com cabeça, E até com um trapo à roda da cintura Como os pretos nas ilustrações. Nem sequer o deixavam ter pai e mãe Como as outras crianças. O seu pai era duas pessoas — Um velho chamado José, que era carpinteiro, E que não era pai dele; E o outro pai era uma pomba estúpida, A única pomba feia do mundo Porque não era do mundo nem era pomba. E a sua mãe não tinha amado antes de o ter. Não era mulher: era uma mala Em que ele tinha vindo do céu. E queriam que ele, que só nascera da mãe, E nunca tivera pai para amar com respeito, Pregasse a bondade e a justiça! Um dia que Deus estava a dormir E o Espírito Santo andava a voar, Ele foi à caixa dos milagres e roubou três. Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido. Com o segundo criou-se eternamente humano e menino. Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz E deixou-o pregado na cruz que há no céu E serve de modelo às outras. Depois fugiu para o Sol E desceu pelo primeiro raio que apanhou. Hoje vive na minha aldeia comigo. É uma criança bonita de riso e natural. Limpa o nariz ao braço direito, Chapinha nas poças de água, Colhe as flores e gosta delas e esquece-as. Atira pedras aos burros, Rouba a fruta dos pomares E foge a chorar e a gritar dos cães. E, porque sabe que elas não gostam E que toda a gente acha graça, Corre atrás das raparigas Que vão em ranchos pelas estradas Com as bilhas às cabeças E levanta-lhes as saias. A mim ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas Quando a gente as tem na mão E olha devagar para elas. Diz-me muito mal de Deus. Diz que ele é um velho estúpido e doente, Sempre a escarrar no chão E a dizer indecências. A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia. E o Espírito Santo coça-se com o bico E empoleira-se nas cadeiras e suja-as. Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica. Diz-me que Deus não percebe nada Das coisas que criou — «Se é que ele as criou, do que duvido.» — «Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória, Mas os seres não cantam nada. Se cantassem seriam cantores. Os seres existem e mais nada, E por isso se chamam seres.» E depois, cansado de dizer mal de Deus, O Menino Jesus adormece nos meus braços E eu levo-o ao colo para casa. …… Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro. Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava. Ele é o humano que é natural, Ele é o divino que sorri e que brinca. E por isso é que eu sei com toda a certeza Que ele é o Menino Jesus verdadeiro. E a criança tão humana que é divina É esta minha quotidiana vida de poeta, E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre. E que o meu mínimo olhar Me enche de sensação, E o mais pequeno som, seja do que for, Parece falar comigo. A Criança Nova que habita onde vivo Dá-me uma mão a mim E a outra a tudo que existe E assim vamos os três pelo caminho que houver, Saltando e cantando e rindo E gozando o nosso segredo comum Que é o de saber por toda a parte Que não há mistério no mundo E que tudo vale a pena. A Criança Eterna acompanha-me sempre. A direcção do meu olhar é o seu dedo apontando. O meu ouvido atento alegremente a todos os sons São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas. Damo-nos tão bem um com o outro Na companhia de tudo Que nunca pensamos um no outro, Mas vivemos juntos e dois Com um acordo íntimo Como a mão direita e a esquerda. Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas No degrau da porta de casa, Graves como convém a um deus e a um poeta, E como se cada pedra Fosse todo um universo E fosse por isso um grande perigo para ela Deixá-la cair no chão. Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens E ele sorri, porque tudo é incrível. Ri dos reis e dos que não são reis, E tem pena de ouvir falar das guerras, E dos comércios, e dos navios Que ficam fumo no ar dos altos mares. Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade Que uma flor tem ao florescer E que anda com a luz do Sol A variar os montes e os vales E a fazer doer aos olhos os muros caiados. Depois ele adormece e eu deito-o. Levo-o ao colo para dentro de casa E deito-o, despindo-o lentamente E como seguindo um ritual muito limpo E todo materno até ele estar nu. Ele dorme dentro da minha alma E às vezes acorda de noite E brinca com os meus sonhos. Vira uns de pernas para o ar, Põe uns em cima dos outros E bate as palmas sozinho Sorrindo para o meu sono. …… Quando eu morrer, filhinho, Seja eu a criança, o mais pequeno. Pega-me tu ao colo E leva-me para dentro da tua casa. Despe o meu ser cansado e humano E deita-me na tua cama. E conta-me histórias, caso eu acorde, Para eu tornar a adormecer. E dá-me sonhos teus para eu brincar Até que nasça qualquer dia Que tu sabes qual é. …… Esta é a história do meu Menino Jesus. Por que razão que se perceba Não há-de ser ela mais verdadeira Que tudo quanto os filósofos pensam E tudo quanto as religiões ensinam?

José Régio, pseudónimo de José Maria dos Reis Pereira, (1901 — 1969) foi um renomeado escritor português cuja obra ,abrange a poesia, a dramaturgia, o romance, a novela e ensaios. 

José Régio

Cântico Negro

“Vem por aqui” — dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: “vem por aqui”!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali…
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha Mãe
Não, não vou por aí!
Só vou por onde
Me levam meus próprios passos…
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: “vem por aqui!”?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí…
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?…
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos… Ide!
Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios…
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe.
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: “vem por aqui”!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou…
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
— Sei que não vou por aí!

Poema para Galileo Autor: Antônio Gedeão (pseudônimo) Nasceu em Lisboa, 1906, faleceu em1997. Foi químico, professor de Físico-Química, Pedagogo, investigador de História da Ciência e poeta.

Poema para Galileo

Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano, aquele teu retrato que toda a gente conhece, em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce sobre um modesto cabeção de pano. Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença. (Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício. Disse Galeria dos Ofícios.) Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença. Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria… Eu sei… eu sei… As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia. Ai que saudade, Galileo Galilei! Olha. Sabes? Lá em Florença está guardado um dedo da tua mão direita num relicário. Palavra de honra que está! As voltas que o mundo dá! Se calhar até há gente que pensa que entraste no calendário. Eu queria agradecer-te, Galileo, a inteligência das coisas que me deste. Eu, e quantos milhões de homens como eu a quem tu esclareceste, ia jurar - que disparate, Galileo! - e jurava a pés juntos e apostava a cabeça sem a menor hesitação - que os corpos caem tanto mais depressa quanto mais pesados são. Pois não é evidente, Galileo? Quem acredita que um penedo caia com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo da praia? Esta era a inteligência que Deus nos deu. Estava agora a lembrar-me, Galileo, daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo e tinhas à tua frente um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo a olharem-te severamente. Estavam todos a ralhar contigo, que parecia impossível que um homem da tua idade e da tua condição, se tivesse tornado num perigo para a Humanidade e para a Civilização. Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios, e percorrias, cheio de piedade, os rostos impenetráveis daquela fila de sábios. Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas, desceram lá das suas alturas e poisaram, como aves aturdidas - parece-me que estou a vê-las -, nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas. E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual conforme suas eminências desejavam, e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal e que os astros bailavam e entoavam à meia-noite louvores à harmonia universal. E juraste que nunca mais repetirias nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma, aquelas abomináveis heresias que ensinavas e descrevias para eterna perdição da tua alma. Ai Galileo! Mal sabem os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços, andavam a correr e a rolar pelos espaços à razão de trinta quilómetros por segundo. Tu é que sabias, Galileo Galilei. Por isso eram teus olhos misericordiosos, por isso era teu coração cheio de piedade, piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos a quem Deus dispensou de buscar a verdade. Por isso estoicamente, mansamente, resististe a todas as torturas, a todas as angústias, a todos os contratempos, enquanto eles, do alto incessível das suas alturas, foram caindo, caindo, caindo, caindo, caindo sempre, e sempre, ininterruptamente, na razão directa do quadrado dos tempos.

Miguel de Cervantes Saavedra (Alcalá de Henares, 29 de setembro de 1547 – Madrid, 22 de abril de 1616) foi um romancista, dramaturgo e poeta castelhano. A sua obra-prima, Dom Quixote, considerada o primeiro romance moderno, é considerado entre os mais importantes em toda a história da literatura. 

Miguel de Cervantes

Mas conhecido pela sua obra O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha, Cervantes possui uma vasta obra literária. Tamanha é a influência de Cervantes sobre a língua castelhana que frequentemente esta é chamada de A língua de Cervantes. Contudo Don Quixote se sobressai às demais, um romance ímpar onde paixão, delírios e loucura se mesclam de forma jamais contada anteriormente. 

Se a vida de Cervantes fosse um filme, diriam que o roteirista exagerou nas cenas. Em sua juventude foge para a Itália,  participa da Batalha de Lepanto, contra os turcos, onde é ferido no peito e na mão esquerda, que perde os movimentos. Volta para Castela, é sequestrado e mantido refém por cinco anos por corsários. Casa-se, é preso após uma quebra de banco;  morre no mesmo dia de William  Shakespeare.

Jorge Francisco Isidoro Luis Borges Acevedo (Buenos Aires, 24 de agosto de 1899 — Genebra, 14 de junho de 1986) foi um escritor, poeta, tradutor, crítico literário e ensaísta argentino. Cursou o colegial no Colégio Calvino, na Suíça. Estudou Direito na Universidade de Buenos Aires e posteriormente estudou na Universidade de Cambridge. Foi diretor da Biblioteca Nacional de Buenos Aires.

Jorge Luis Borges

Cristo na cruz.

Os pés tocam a terra.
As três vigas são de igual altura.
Cristo não está no meio.
É o terceiro.
A negra barba pende sobre o peito.
O rosto não é o rosto das lâminas.
É áspero e judeu.
Não o vejo e o seguirei buscando até o dia último de meus passos pela terra.
O homem violado sofre e cala.
A coroa de espinhos o lastima.
Não o alcança o escárnio da plebe que viu sua agonia tantas vezes.
A sua ou a de outro.
Dá no mesmo.
Cristo na cruz.
Desordenadamente pensa no reino que talvez o espera,
pensa em uma mulher que não foi sua.
Não lhe é dado ver a teologia, a indecifrável Trindade,
os gnósticos, as catedrais, a navalha de Occam,
a púrpura, a mitra, a liturgia,
a conversão de Guthrum pela espada, a Inquisição,
o "sangue dos mártires, as atrozes Cruzadas,
Joana D'Arc, o Vaticano que bendiz exércitos.
Sabe que não é um deus e que é um homem que morre com o dia.
Não lhe importa.
Lhe importa o duro ferro dos cravos.
Não é um romano.
Não é um grego.
Geme.
Nos deixou esplêndidas metáforas e uma doutrina do perdão que pode anular o passado.
(Essa sentença foi escrita por um irlandês em um cárcere.)
A alma busca o fim, com urgência. Escureceu um pouco. Já morreu.
Anda uma mosca pela carne quieta.
Que pode me servir que aquele homem tenha sofrido, se eu sofro agora? .

Dante Alighieri (Florença, entre 21 de maio e 20 de junho de 1265 d.C. — Ravena, 13 ou 14 de setembro de 1321 d.C.) foi um escritor, poeta e político florentino, nascido na atual Itália. É considerado o primeiro e maior poeta da língua italiana, definido como il sommo poeta ("o sumo poeta")

Dante Alighieri 

Dante Alighieri nasceu em Florença, onde viveu a primeira parte da sua vida até ser exilado. O exílio foi ainda maior do que uma simples separação física de sua terra natal: foi abandonado por seus parentes. Apesar dessa condição, seu amor incondicional e capacidade visionária o transformaram no mais importante pensador de sua época.

Disse o escritor e poeta francês Victor Hugo (1802-1885) que o pensamento humano atinge em certos homens a sua completa intensidade, e cita Dante como um dos que "marcam os cem graus de gênio". E tal é a sua grandeza que a literatura ocidental está impregnada de sua poderosa influência, sendo extraordinário o verdadeiro culto que lhe dedica a consciência literária ocidental. Seu nome, segundo o testemunho do filho Jacopo Alighieri, era um hipocorístico de "Durante". Nos documentos, era seguido do patronímico "Alagherii" ou do gentílico "de Alagheriis", enquanto a variante "Alighieri" afirmou-se com o advento de Boccaccio. Foi muito mais do que literato: numa época onde apenas os escritos em latim eram valorizados, redigiu um poema, de viés épico e teológico, La Divina Commedia ("A Divina Comédia"), o grande poema de Dante, uma das obras-primas da literatura universal. A Commedia se tornou a base da língua italiana moderna e culmina a afirmação do modo medieval de entender o mundo. Essa obra foi originalmente intitulada Comédia e mais tarde foi rebatizada com o adjetivo "Divina" por Giovanni Boccaccio. A primeira edição que adicionou o novo título foi a publicação do humanista veneziano Lodovicco Dolce.  

Giovanni Boccaccio (Florença ou Certaldo, 16 de junho de 1313 — Certaldo, 21 de dezembro de 1375) foi um poeta e crítico literário italiano, especializado na obra de Dante Alighieri.

Giovanni Boccaccio

Filho de um mercador, Giovanni Boccaccio não preencheu  as expectativas paternas e cultivou o seu próprio talento literário que se manifestou desde muito cedo. Foi um importante humanista, autor de um número notável de obras, incluindo Decamerão, o poema alegórico Visão Amorosa (Amorosa visione) e De claris mulieribus, uma série de biografias de mulheres ilustres. O "Decamerão" fez de Boccaccio o primeiro grande realista da literatura universal. Ao ler "A Comédia", de Dante Alighieri, ficou tão fascinado que a renomeou de "A Divina Comédia", título como a obra seria imortalizada. Considerado pelos seus contemporâneos florentinos uma autoridade sobre Dante, o governo da cidade convidou-o, em 1373, a fazer uma leitura pública da Divina Comédia. Se bem que haja poucos registos, crê-se que Boccaccio fez apenas cerca de 65 palestras, pois a doença obrigava-o a interromper a apresentação no Canto XVII do Inferno. Nunca conseguiria terminar o projecto, mas o texto com os seus comentários ficou para a posteridade: Esposizioni sopra la Comedia di Dante. Boccacio foi autor de uma das primeiras biografias de Dante, o Trattatello in laude di Dante, também conhecido como Vita di Dante. Encontra-se sepultado na Igreja de São Jacó e Filipe na Toscana, Itália.

Giacomo Leopardi (Recanati, 29 de junho de 1798 — Nápoles, 14 de junho de 1837), ensaísta, filólogo e um dos maiores expoentes da poesia italiana. Sua obra demonstra muito pessimismo, melancolia e ceticismo. Os inúmeros textos de Leopardi ilustram a genialidade e a sensibilidade de um autor atento à realidade, à subjetividade humana e ao próprio fazer literário.

Giacomo Leopardi

Conde Giacomo Taldegardo Francesco di Sales Saverio Pietro Leopardi (29 de junho de 1798 - 14 de junho de 1837) foi um filósofo, poeta, ensaísta e filólogo italiano. É considerado o maior poeta italiano do século XIX e uma das figuras mais importantes da literatura mundial. Em sua obra encontra-se uma constante reflexão sobre a existência e a condição humana. Em contato com as principais ideias do Iluminismo e, por meio de sua própria evolução literária, criou uma notável e renomada obra poética, relacionada ao período romântico . A qualidade fortemente lírica da sua poesia fez dele uma figura central no panorama literário e cultural europeu e internacional. 

Autor de inúmeras obras, em Zibaldone , Leopardi compara o estado de natureza inocente e feliz com a condição do homem moderno, corrompido por uma faculdade de razão excessivamente desenvolvida que, rejeitando as ilusões necessárias do mito e da religião em favor de uma realidade sombria de aniquilação e vazio, a qual só pode gerar infelicidade. O Zibaldone contém o itinerário poético e existencial do próprio Leopardi; é uma miscelânea de anotações filosóficas, esquemas, composições inteiras, reflexões morais, julgamentos, pequenos idílios, discussões e impressões eruditas.

Leopardi, mesmo permanecendo fora dos círculos de debate filosófico de seu século, conseguiu elaborar uma visão de mundo extremamente inovadora e provocativa. Não é muito difícil definir Leopardi como o pai do que viria a ser chamado de niilismo .

 Ele morreu durante a epidemia de cólera de 1837, a causa imediata provavelmente foi edema pulmonar ou insuficiência cardíaca , devido à sua condição física frágil. Graças à intervenção de Antonio Ranieri junto às autoridades, os restos mortais de Leopardi não foram enterrados em uma vala comum (como exigiam as rígidas normas de higiene da época), mas no átrio da Igreja de San Vitale em Fuorigrotta . Em 1898 seu túmulo foi transferido para o Parco Virgiliano (Mergellina) e declarado monumento nacional

Luigi Pirandello (Agrigento, 28 de junho de 1867 — Roma, 10 de dezembro de 1936) foi um dramaturgo, poeta e romancista italiano.

Luigi Pirandello

Pirandello foi um grande renovador do teatro, com profundo sentido de humor e grande originalidade. Suas obras mais famosas são: Seis personagens à procura de um autor, Assim é, se Assim lhe Parece, Cada um a seu modo e os romances O falecido Matias Pascal, "Um, Nenhum e Cem Mil", "Esta Noite Improvisa-se", etc.

Sua primeira peça de teatro foi O Torniquete escrita entre 1899 e 1900 e encenada pela primeira vez em 1910. Sua obra A Patente, uma comédia de um ato, teve boa repercussão. A 23 de setembro de 1931, foi agraciado com o grau de Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada, de Portugal.  Recebeu o Nobel de Literatura de 1934. 

Pirandello separa o cômico do humorístico, para passar da atitude cômica para a atitude humorística, é preciso renunciar ao distanciamento e à superioridade. Luigi Pirandello participou da campanha "coleta do ouro", organizada pelo ditador italiano Benito Mussolini, que visava levantar fundos para o país. A campanha era uma resposta à Liga das Nações que impôs sanções econômicas à Itália após esta ter invadido e declarado guerra a Etiópia, na Segunda Guerra Ítalo-Etíope (1935-36).

Sua peça, I giganti della montagna, foi interpretada como evidência de sua compreensão de que os fascistas eram hostis à cultura; ainda assim, durante uma aparição posterior em Nova York, Pirandello distribuiu uma declaração anunciando seu apoio à anexação da Abissínia pela Itália. Ele deu sua medalha do Prêmio Nobel ao governo fascista para ser derretida para a Campanha da Abissínia. O apoio de Mussolini lhe trouxe fama internacional e uma turnê mundial, apresentando seu trabalho a Londres, Paris, Viena, Praga, Budapeste, Alemanha, Argentina e Brasil. A concepção de teatro de Pirandello sofreu uma mudança significativa neste ponto. A ideia do ator como um traidor inevitável do texto, como em Sei personaggi, deu lugar à identificação do ator com o personagem que ele interpreta. A companhia se apresentou pelas principais cidades da Europa, e o repertório pirandelliano se tornou cada vez mais conhecido. Entre 1925 e 1926, o último e talvez o maior romance de Pirandello, Uno, Nessuno e Centomila, foi publicado em série na revista Fiera Letteraria. Pirandello foi nomeado Acadêmico da Itália em 1929, e em 1934 ele recebeu o Prêmio Nobel de Literatura após ter sido nomeado, por Guglielmo Marconi, membro da Reale Accademia d'Italia. Ele foi o último dramaturgo italiano a ser escolhido para o prêmio até 9 de outubro de 1997. Pirandello morreu sozinho em sua casa na Via Bosio, Roma, em 10 de dezembro de 1936.

Umberto Eco (1932-2016) foi um escritor, professor, filósofo e crítico literário italiano. 

Umberto Eco

Adaptado de Dilva  Frazão

Umberto Eco nasceu em Alexandria, no noroeste da Itália, no dia 5 de janeiro de 1932. Era filho de Giulio Eco e Giovanna Eco. Viveu a primeira infância sobre a sombra do fascismo. Com 10 anos de idade, Eco foi vencedor de um concurso de redação, com o tema proposto: “Devemos morrer pela glória de Mussolini e pelo destino imortal da Itália?”. Ainda estudante, deixou de acreditar em Deus - um dos pilares de sua educação - e abandonou a religião.

Autor do best-seller “O Nome da Rosa”, Umberto Eco exerceu grande influencia nos círculos intelectuais de todo o mundo, nas décadas de 60 e 70, por sua teoria da “obra aberta” e outras pesquisas na área da estética e da semiótica. 

Umberto Eco estudou Filosofia na Universidade de Turim. Dedicou-se à filosofia com a ajuda de Luigi Pareyson. Doutorou-se em estética em 1961 após escrever alguns estudos sobre estética medieval. Seus primeiros trabalhos foram dedicados ao estudo da estética medieval, especialmente sobre os textos de São Tomás de Aquino. Escreveu "Il Problema Estetico de San Tommaso" .

Tornou-se professor em diversas cidades italianas. Além de conciliar suas pesquisas, ministrou cursos em outros países europeus e nos Estados Unidos. Lecionou na Universidade de Turim de 1956 a 1964. Em 1971 tornou-se professor da Universidade da Bolonha.

Umberto Eco publicou mais de trinta ensaios e crítica literária e sete romances, nos quais havia sempre uma divagação para o ensaio.

Umberto Eco foi considerado um dos expoentes da nova narrativa italiana, iniciada por Ítalo Calvino. Exerceu grande influência sobre os meios intelectuais ao estudar os fenômenos de comunicação ligados à cultura de massas, como histórias em quadrinhos, telenovelas e cartazes publicitários. Nos anos 70, passou a se dedicar ao estudo da semiótica, estabelecendo novas perspectivas sobre o assunto sob a influência de filósofos como John Locke, Kant e Peirce, abandonando as teorias semiológicas do linguista Ferdinand Saussure.

Umberto Eco faleceu em Milão, Itália, no dia 19 de fevereiro de 2016.

Italo Calvino (1923-1985) foi um escritor italiano nascido em Santiago de Las Vegas, Cuba, no dia 15 de outubro de 1923. Filho de italianos, ainda menino, mudou-se com a família para a Itália.

Italo Calvino

Adaptado de Dilva Frazão

Calvino passou a infância e a adolescência em San Remo. Militou no Partido Comunista e participou da resistência ao Fascismo de Mussolini. Após a Segunda Guerra Mundial mudou-se para Turim e retomou seus estudos, formando-se em Letras. Nessa época trabalhou no jornal comunista L’Unità e na Editora Einaudi. No final dos anos 40 publicou suas primeiras obras calcadas no “estilo neorrealista”, onde procurou retratar sem floreio uma Itália devastada do pós-guerra, entre as obras desse período destaca-se, “As Trilhas dos Ninhos de Aranha” (1947).
Italo Calvino conquistou fama internacional com a publicação de “Nossos Antepassados”, trilogia narrativa de inspiração filosófica composta por “O Visconde Partido ao Meio” (1952), “O Barão nas Árvores” (1952) e “O Cavaleiro Inexistente” (1959). Nas obras, o autor abandona o estilo neorrealista e faz opção pelo caminho literário conhecido como “realismo fantástico”, onde cada fase parece ganhar vida própria, mesclando fantasia e realidade, que teve no argentino Jorge Luís Borges um de seus grandes mestres.
Ao se mudar para Paris, em 1967, Calvino foi duramente criticado em seu país. Primeiro por ter deixado a Itália e abandonado o comunismo, segundo por ter optado pelo caminho literário do realismo fantástico, uma corrente excessivamente excêntrica para seus ex-colegas de credo político. 

Em 1972, Calvino lança “As Cidades Invisíveis”, uma prosa poética, quase filosófica, em que ele realiza com precisão a química entre a ficção e a realidade. O romance trata de conversas imaginárias do explorador veneziano Marco Polo com o imperador tártaro Kublai Khan – a quem Polo serviu como embaixador durante suas explorações ao Extremo Oriente, no século XIV. Nessas conversas, Marco Polo relata ao Grande Khan como é cada uma das cidades dominadas pelos tártaros. A obra é apresentada em narrativas curtas, quase pequenas fábulas, divididas em onze blocos. Todas as cidades Têm nome feminino, como Isadora, Zaíra e Olívia. O que seria apenas histórias de cidades dominadas por bárbaros tomam forma de exercícios arrebatadores de poesias e imaginação. Em uma de suas conferências preparadas para a Universidade de Harvard e reunidas no volume póstumo “Seis Propostas para o Próximo Milênio”, que recebeu o Prêmio Jabuti, em 1993, disse Calvino:  

“As Cidades Invisíveis é o livro onde penso ter dito mais coisas, talvez porque tenha conseguido concentrar em um único símbolo todas as minhas reflexões, experiências e conjecturas”.

Italo Calvino faleceu em Siena, na Itália, no dia 19 de setembro de 1985.

Alberto Moravia, pseudônimo de Alberto Pincherle (Roma, 28 de novembro de 1907 — Roma, 26 de setembro de 1990) foi um escritor e jornalista italiano. O nome Moravia como será conhecido mundialmente era de sua avó paterna.

Alberto Moravia

Ainda jovem, Moravia sofreu de tuberculose e teve de passar uma significativa parte de sua adolescência em convalescência, tendo sido prejudicado nos estudos. Começou escrevendo para a revista 900 onde publicou seu primeiro conto. Escreveu sua primeira novela, Os Indiferentes em 1929. Trabalhou durante muitos anos no jornal Il Corriere della Sera, tendo viajado para a Inglaterra, onde morou dois anos, aos Estados Unidos, México e China. Em Abril de 1945 casou-se com Elsa Morante.

Considerado persona non grata pelo regime fascista de Mussolini, é obrigado a trabalhar como roteirista cinematográfico sob outro nome, por causa das leis raciais vigentes. No pós-guerra, volta a trabalhar como escritor e roteirista,conhecendo Pier Paolo Pasolini e também começa a trabalhar como crítico cinematográfico no L'Expresso. Foi também eleito representante da Itália no Parlamento europeu, por uma lista do PCI, de 1984 até sua morte.

Moravia escreveu vários livros que se caracterizavam por uma crítica frontal à sociedade europeia do século XX que ele achava hipócrita, hedonista e acomodatícia. Em seus escritos são recorrentes os temas da sexualidade, existencialismo e alienação do indivíduo. Vários livros seus foram adaptados para o cinema, os mais famosos são O Desprezo, dirigido por Jean-Luc Godard e estrelado por Brigitte Bardot em 1963, e O Conformista, do diretor Bernardo Bertolucci, em 1970.

Sabe-se agora, que em 1958 teria perdido o Prémio Nobel da Literatura por causa duma jogada da CIA em plena Guerra Fria. O Prémio foi, nesse ano, entregue a Boris Pasternak pela obra Doctor Zhivago, que foi impressa à última hora e entregue na Academia Sueca pela Central de Inteligência Norte-Americana.

Sobre Moravia escreveu, o ilustre critico e fundador da "Neoavanguardia" Angelo Guglielmi : " I suoi sostenitori vogliono contrabbandarlo come un caposaldo della modernita' : invece e' antiquato, vecchissimo, illeggibile..Moravia scrive malissimo: la sua lingua e' pesante, scialba, a tratti corriva. Egli riteneva che solo il contenuto fosse importante e con cio' commetteva un errore imperdonabile, che per se' gia' basterebbe ad escluderlo dalla lista dei grandi autori della modernita' ".(v.: Il Mattino , 25/09/2000).

Giuseppe Ungaretti (Alexandria, 8 de fevereiro de 1888 — Milão, 2 de junho de 1970) foi um poeta italiano. Foi professor da Universidade de São Paulo - USP.

Giuseppe Ungaretti

O poeta Giuseppe Ungaretti é reconhecido como o mestre da poesia hermética. Este poeta minimizou a sintaxe, eliminando a pontuação e com limitada construção de períodos aos seus componentes essenciais, além de rejeitar as restrições da métrica e da rima, não sendo observada as estrofes tradicionais, e sim versos livres, às vezes, consistindo em uma única palavra dotada de grande significação. Em Allegria di Naufragi, as influências francesas e certos ecos crepusculares e futuristas são evidentes. O valor essencial da poesia de Ungaretti não deve ser procurado apenas no desenvolvimento de uma nova métrica e de uma sintaxe diferente, mas também na busca de um novo valor para a palavra. Ungaretti aposta na tendência dos movimentos poéticos de sua época: uma linguagem composta por abdicação crepuscular e estilística dos futuristas. Sem dúvidas a poesia e a biografia estão intimamente relacionadas a Ungaretti, uma vez que as experiências de vida determinaram várias escolhas de estilo e conteúdo absolutamente inovadores para a poesia italiana. A primeira experiência de vida é um dos mais significativos e profundos, quando ele tem o difícil momento de se tornar um soldado durante a primeira guerra mundial e a segunda experiência foi a perda de seu irmão e filho. A evolução artística de Ungaretti segue um percurso que vai da paisagem à humanidade, à revelação religiosa, ao impacto do contato com a força da natureza brasileira 
e ao seu retorno à Roma, no início da Segunda Guerra Mundial. Esses dois últimos eventos estão na origem de seu livro Il Dolore, publicado em 1947. No desespero, o poeta descobre a responsabilidade humana e a fragilidade de suas ambições. Ungaretti, no meio do pessimismo com que encara a tragédia da condição humana, detecta, no entanto, uma mensagem de esperança para a humanidade.



Soldados

Bosque de Courton, 1918

Se esta
como no outono
sobre as árvores
as folhas

Primo Levi (Turim, 31 de julho de 1919 — Turim, 11 de abril de 1987) foi um escritor italiano que privilegiou memórias, contos, poemas, e novelas. É mais conhecido por seu trabalho sobre o Holocausto, em particular, por ter sido um prisioneiro em Auschwitz-Birkenau. Seu livro É isso um Homem?  é considerado um depoimento pungente,  um dos mais importantes trabalhos memorialísticos do século XX. Seu livro Il sistema periódico (A Tabela Periódica), por sua vez, foi considerado o melhor livro de ciência já escrito pela Royal Institution.

Primo Levi

É ISTO UM HOMEM?

Vocês que vivem seguros em suas cálidas casas, vocês que, voltando à noite, encontram comida quente e rostos amigos, pensem bem se isto é um homem que trabalha no meio do barro, que não conhece paz, que luta por um pedaço de pão, que morre por um sim ou por um não. Pensem bem se isto é uma mulher, sem cabelos e sem nome, sem mais força para lembrar, vazios os olhos, frio o ventre, como um sapo no inverno. Pensem que isto aconteceu: eu lhes mando estas palavras. Gravem-na em seus corações, estando em casa, andando na rua, ao deitar, ao levantar; repitam-nas a seus filhos. Ou, senão, desmorone-se a sua casa, a doença os torne inválidos, os seus filhos virem o rosto para não vê-Ios.

A VIAGEM
Fui. detido pela Milícia fascista no dia 13 de dezembro de 1943. Eu tinha vinte e quatro anos, pouco juízo, nenhuma experiência e uma forte propensão, favoreci da pelo regime de segregação ao qual as leis contra os judeus haviam me obrigado durante os últimos quatro anos, a viver num mundo só meu, um tanto apartado da realidade, povoado de racionais fantasmas cartesianos, de sinceras amizades masculinas e minguadas amizades femininas. Cultivava um moderado e abstrato espírito de rebelião.

Susanna Tamaro (Trieste, 12 de dezembro de 1957) é uma escritora italiana.

Suzanna Tamaro

Suzanna Tamaro foi criada pela avó materna após a separação dos pais, Anna e Giovanni. Cresceu escutando as histórias que o avô lhe contava sobre as duas terríveis guerras mundiais que devastaram a região. Em 1963 deu início aos seus estudos primários na escola local, dividida em duas secções, uma masculina e a outra feminina. Terminando o ensino secundário em Trieste, recebeu, em 1976 uma bolsa de estudos para frequentar o Centro Experimental de Cinematografia de Roma, para onde se transferiu. Em 1977 inicia o seu trabalho no cinema, como assistente do cineasta Salvatore Samperi. Susanna Tamaro aponta 1978 como o ano em que começou a escrever. Em 1978 terminou o primeiro livro Illmitz, que não foi publicado e seus trabalhos seguintes também foram declinados. Em 1989 é publicado seu primeiro livro sob o título La testa tra le nuvole (Com a cabeça nas nuvens). Dois anos depois, em 1991, publicou a obra Per voce sola (Para uma voz só), pela qual recebeu elogios do próprio Federico Fellini. O seu primeiro livro infantil, Cuori di ciccia (O cavaleiro Lua Cheia), saiu em 1992. Seguiu-se a obra Và dove ti porta il cuore (Vai aonde te leva o coração), o livro italiano de maior sucesso do século XX. 

Victor-Marie Hugo (Besançon, 26 de fevereiro de 1802 — Paris, 22 de maio de 1885) foi um romancista, poeta, dramaturgo, ensaísta, artista, estadista e ativista pelos direitos humanos francês de grande atuação política em seu país.

Victor Hugo

Victor Hugo  foi um escritor muito prolífico e de enorme sucesso. Escrevia artigos, ensaios, novelas,  peças de teatro e romances . Ativista dos direitos humanos, é  autor de Les Misérables , O Homem que Ri,  Notre-Dame de Paris, entre diversas outras obras clássicas que lhe rendera fama,  renome mundial e a imortalidade. Suas obras são revitalizadas pelo teatro e produções cinematográficas.

Gustave Flaubert (Rouen, 12 de dezembro de 1821[1] – Croisset, 8 de maio de 1880[2]) foi um escritor francês. 

Gustave Flaubert

Flaubert marcou a literatura francesa pela profundidade de suas análises psicológicas, pelo seu senso de realidade, pela sua lucidez sobre o comportamento humano  e pela força de seu estilo em grandes romances, tais como Madame Bovary (1857), A Educação Sentimental (1869), Salammbô (1862). Acrescente-se os seus contos, nomeadamente os Trois contes (1877).  Teve grande influencia na obra de Guy de Maupassant.

Henri René Albert Guy de Maupassant  ou simplesmente Guy de Maupassant (Tourville-sur-Arques, Alta Normandia, 5 de Agosto de 1850—Paris, 6 de Julho de 1893), foi um escritor e poeta francês com predileção para situações psicológicas e de crítica social com técnica realista. Foi amigo do célebre escritor francês Gustave Flaubert, a quem se referia como "mestre".

Guy de Maupassant

Além de romances e peças de teatro, Maupassant deixou 300 contos, todos obras de grande valor. Merecem destaque, entre os mais famosos, Mademoiselle Fifi e Bola de sebo. "A Pensão Tellier" e "O Horla" podem ser considerados seus contos mais significativos. Faleceu no manicómio pouco antes de completar 43 anos, após tentativa de suicídio originada de perturbações causadas pela sífilis, que o atormentou por mais de uma década. Foi enterrado no cemitério de Montparnasse.

Valentin Louis Georges Eugène Marcel Proust (1871 – 1922) foi um escritor francês conhecido pela sua obra Em Busca do Tempo Perdido, publicada em sete partes entre 1913 e 1927.

Marcel Proust

NO CAMINHO DE SWANN


Ao Sr. Calmette como testemunho de profundo e afetuoso reconhecimento.

PRIMEIRA PARTE
Combray

Durante muito tempo, deitava-me cedo. Às vezes, mal apagada a vela, meus olhos se fechavam tão depressa que eu nem tinha tempo de pensar: "Vou dormir". E, meia hora depois, a idéia de que já era tempo de conciliar o sono me despertava: queria deixar o livro que julgava ainda ter nas mãos e assoprar a vela; dormindo, não havia deixado de refletir sobre o que acabara de ler, porém tais reflexões haviam tomado um aspecto um tanto singular; parecia-me que era de mim mesmo que o livro falava: uma igreja, um quarteto, a rivalidade de Francisco I e Carlos V. Essa crença sobrevivia por alguns segundos ao meu despertar; não ofendia a razão, mas pesava como escamas sobre os olhos, impedindo-os de perceber que a vela já não estava acesa. Depois, principiava a me parecer ininteligível, como, após a metempsicose, as idéias de uma existência anterior; o assunto do livro se desligava de mim, eu ficava livre para me adaptar ou não a ele; logo recobrava a vista e me surpreendia bastante por estar rodeado de uma obscuridade, suave e repousante para os olhos, porém ainda mais talvez para o espírito, ao qual surgia como uma coisa sem causa, incompreensível, como algo verdadeiramente obscuro. Perguntava-me que horas poderiam ser; ouvia o silvo dos trens que, mais ou menos afastado, como um canto de pássaro na floresta, assinalando as distâncias, me informava sobre a extensão da campina deserta onde o viajante se apressa em direção à próxima parada: o caminho que ele segue vai lhe ficar gravado na lembrança pela excitação de conhecer novos lugares, praticar atos inusitados, pela conversação recente e as despedidas sob a lâmpada estranha que o seguem ainda no silêncio da noite, e pela doçura próxima do regresso.

Apoiava brandamente as faces contra as belas faces do travesseiro que, cheias e frescas, são como os rostos da nossa infância. Riscava um fósforo para ver o relógio. Quase meia-noite. É o momento em que o enfermo, que teve de viajar e ir dormir num hotel desconhecido, acordado por uma crise, se alegra ao distinguir debaixo da porta um raio de luz. Felicidade! Já é dia! Daqui a pouco os criados vão se levantar, poderá tocar a campainha, virão prestar-lhe socorro. A esperança de ser aliviado lhe dá coragem para suportar o sofrimento. Ainda agora pensou ouvir passos; os passos se aproximam e logo se afastam. E o fio de luz que estava sob a porta desapareceu. É meia-noite; acabam de apagar o gás; o último criado já se retirou e é preciso ficar a noite inteira sofrendo sem remédio.

Voltava a adormecer, e às vezes só despertava por um breve instante, o suficiente para ouvir os estalos orgânicos da madeira dos móveis, para abrir os olhos e olhar ao caleidoscópio da escuridão, para saborear, graças a um momentâneo resplendor de consciência, o sonho em que estavam sumidos os móveis, o quarto, tudo aquilo do que eu não era mais que uma ínfima parte, tudo a cuja insensibilidade voltava eu muito em breve a me somar.

Outras vezes, ao dormir, tinha retrocedido sem esforço a uma época para sempre acabada de minha vida primitiva, tinha-me encontrado novamente com um de meus medos de menino, como aquele de que meu tio me atirasse dos cachos de cabelo, e que se dissipou. Data que para mim assinala uma nova era. O dia que me cortaram isso. Este acontecimento havia esquecido durante o sonho, e voltava para minha lembrança logo que acertava em despertar para escapar das mãos de meu tio: mas, por via de precaução, envolvia a cabeça com o travesseiro antes de voltar ao mundo dos sonhos. Outras vezes, assim como Eva nasceu de uma costela de Adão, uma mulher nascia enquanto eu estava dormindo, de uma má postura de meu quadril. Sendo criatura filha do prazer estava a ponto de desfrutar, me parecia que era ela a que me oferecia isso. Meu corpo sentia no dela seu próprio calor, ia buscá-lo, e eu despertava. Todo o resto dos mortais me aparecia como coisa muito imprecisa junto desta mulher, da que me separasse fazia um instante: conservava ainda minha bochecha o calor de seu beijo e sentia-me dolorido pelo peso de seu corpo. Se, como acontecia algumas vezes, representava com o semblante de uma mulher que eu tinha conhecido na vida real, eu ia entregar-me com todo meu ser a este único fim: encontrá-la; quão mesmo essas pessoas que saem de viagem para ver com seus próprios olhos uma cidade desejada, imaginando-se que em uma coisa real saboreia-se o encanto do sonhado. Pouco a pouco a lembrança dissipava; já estava esquecida a criatura de meu sonho.

André Paul Guillaume Gide (Paris, 1869 — Paris, 1951) foi um escritor francês. Recebeu o Nobel de Literatura de 1947 pela obra O Imoralista.  Gide lutou em favor dos direitos dos homossexuais, tendo escrito e publicado, diversas obras com esse tema entre 1910 e 1924.  

Andre Gide

Descendendo ao mesmo tempo de representantes do mundo agrário e da pequena burguesia, desde cedo Andre Gide parecia estar fadado à controvérsia. Enquanto estudante  Gide recebeu o descaso de seus professores, que o consideravam intelectualmente pouco dotado. Talvez daí a acentuada reclusão sobre si mesmo, o silêncio quase constante e o amor pela natureza, leitmotiv de sua conturbada existência. Gide pertenceu à geração de Claudel, Valéry e Proust, mas deles se distinguiu pela intensa crise espiritual que marcou praticamente toda a sua vida. Nele, a sensualidade precoce se opunha ao fervor religioso; a vergonha, aos charmes (in)discretos do pecado. Foi pela criação literária que esses conflitos melhor se revelaram, embora sem nunca acharem uma solução.  Num estilo claro e esmerado, ergue a voz contra os preconceitos, protesta contra tudo o que mascara e impede a consumação da liberdade do homem. Recorrendo a um episódio autobiográfico — a viagem à Argélia nos idos de 1893, em que adoeceu —, ele narra o drama de um jovem casado, egresso de uma educação rígida, para quem a saúde e o gosto de viver são encontrados nos braços de um adolescente árabe, em meio a uma África selvagem. O conflito entre Eros e Tanatos, que é o cerne do romance, nem por isso deixa de motivar um cântico ao mundo das cores, dos aromas, da embriaguez sensual, um cântico, enfim, ao corpo finalmente encontrado.  O livro ganha o Prêmio Nobel de 1947. Simpatizante do comunismo, Gide influência o pensamento de Malraux, Camus e Sartre que diz - "Ele nos ensinou, ou lembrou, que tudo podia ser dito — essa a sua audácia —, mas segundo certas regras do bem-dizer — essa a sua prudência.” Gide, “contemporâneo essencial”, no entender de André Malraux, mereceu de Sartre as palavras que talvez melhor sintetizem o significado de sua obra: “Nele equilibram-se a lei protestante e o não- conformismo do homossexual, o individualismo orgulhoso do grande burguês e o gosto puritano dos limites estabelecidos pela sociedade "

Louis-Ferdinand Céline, pseudónimo de Louis-Ferdinand Destouches, conhecido simplesmente por Céline (1894 - 1961), foi um escritor e médico francês cuja escrita revolucionou a literatura francesa, tanto pela forma coloquial e bruta, como pelo conteúdo racista e antisemita.

Louis Ferdinand Cèline

Figura polêmica e contraditória na história da literatura mundial, Cèline cursou apenas o primário e enquanto escritor vai na direção oposta à de Marcel Proust. Onde abundância elegância e refinamento em Proust, falta em Cèline. Durante a ocupação da França, foi um colaboracionista dos nazistas , racista, antissemita. É fato que seus panfletos venderam a rodo, hoje são difíceis de serem encontrados. Em sua principal obra  Viagem ao Fim da Noite descreve o absurdo da guerra, enfatizando os sentidos do leitor, com o cheiro da pólvora, do sangue, a visão dos cadáveres dilacerados, o som dos estampidos, o zunir das balas, a  visão para o medonho, a falta de sentido da hierarquia militar, a falta de  patriotismo dentre os soldados. Finda a guerra, o sucesso do livro custou-lhe caro: expulsão da França, condenações, prisão, crises de loucura.

Annie Ernaux foi laureada com o Nobel de Literatura de 2022

Annie Ernaux

Annie Ernaux, nascida Annie Duchesne (Lillebonne, 1 de setembro de 1940) é uma escritora e professora francesa. Sua obra literária, principalmente autobiográfica, romance e memórias, remete à sociologia. Ernaux foi laureada com o Nobel de Literatura de 2022 "pela coragem e acuidade clínica com que descortina as raízes, os estranhamentos e os constrangimentos coletivos da memória pessoal", tornando-se na primeira mulher francesa a ser laureada com o Nobel de Literatura.[

Existencialismo

O existencialismo não é apenas uma filosofia, mas um movimento cultural que abrange vários pensamentos que se revoltaram contra a filosofia tradicional. A maioria dos existencialistas repudiaram este rótulo, mesmo porque não formam um grupo unido e homogêneo, pelo contrário. E mesmo pensadores que são incluídos neste grupo, não ficariam contentes de serem chamados de existencialistas. Os historiadores da filosofia também diferem ao nomear os existencialistas. Alguns incluem Pascal, um cristão mas que também era um crítico do catolicismo, como um precursor do existencialismo, e, do mesmo modo, incluem o filósofo dinamarquês Kierkgaard, protestante, mas igualmente crítico de sua religião. Outros incluem Nietzsche, um anti-cristão, assim como Dostoievsky, que por sua vez era grego-russo-imperialista -ortodoxo. Outros incluem os escritores Rilke, Kafka e Camus. Uma coisa é certa, nenhum historiador deixa de mencionar Jaspers, Heidegger e Sartre.  Pelo menos um traço em comum pode ser encontrado entre esses pensadores, qual seja, um individualismo extremo. A recusa de fazer parte a qualquer corrente de pensamento, o repúdio de uma adequação a qualquer corpo de crença, o repúdio ao um sistema, e uma acentuada insatisfação com a filosofia tradicional e acadêmica, considerada por eles como superficial e distanciada da vida. Trata-se de uma sensibilidade que pode ser encontrada aqui e ali, inclusive no passado, mas que somente mais recentemente, isto é, da metade do século para cá, que tornou-se mais sólida enquanto um pensamento de protesto

Um pouco de Existencialismo na Literatura

Na Literatura Russa
A primeira parte do livro Notas do Subterrâneo, escrita em 1864 pelo escritor russo  Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski (1821 – 1881), é considerado como marco inicial do Existencialismo enquanto movimento intelectual. Narrada na primeira pessoa, a um personagem assim se apresenta:

"Sou um homem doente... Um homem mau. Um homem desagradável. Creio que sofro do fígado. Aliás, não entendo níquel da minha doença e não sei, ao certo, do que estou sofrendo. Não me trato e nunca me tratei, embora respeite a medicina e os médicos. Ademais, sou supersticioso ao extremo; bem, ao menos o bastante para respeitar a medicina. (Sou suficientemente instruído para não ter nenhuma superstição, mas sou supersticioso.) Não, se não quero me tratar, é apenas de raiva. Certamente não compreendeis isto. Ora, eu compreendo. Naturalmente não vos saberei explicar a quem exatamente farei mal, no presente caso, com a minha raiva; sei muito bem que não estarei a “pregar peças” nos médicos pelo fato de não me tratar com eles; sou o primeiro a reconhecer que, com tudo isto, só me prejudicarei a mim mesmo e a mais ninguém. Mas, apesar de tudo, não me trato por uma questão de raiva. Se me dói o fígado, que doa ainda mais."

Na Literatura Francesa
Tributário das obras de Dostoiévski e de Nietzsche, o existencialismo pode ser encontrado na obra de  e Albert Camus (1913-1960) escritor que nasceu na Argélia, onde estudou filosofia.
Assim começa a obra intitulada O Estrangeiro:

"Hoje, mamãe morreu. Ou talvez foi ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: “Sua mãe falecida: Enterro amanhã. Sentidos pêsames."

Na Literatura Brasileira
No Brasil o existencialismo é bem apresentado pela obra de  Clarice Lispector. Abaixo trechos de Perdoando Deus

"Eu ia andando pela Avenida Copacabana e olhava distraída edifícios, nesga de mar, pessoas, sem pensar em nada. Ainda não percebera que (…) estava era de uma atenção sem esforço, estava sendo uma coisa muito rara: livre. (…) Tive então um sentimento de que nunca ouvi falar. Por puro carinho, eu me senti a mãe de Deus, que era a Terra, o mundo. "

Essa comunhão ideal é rompida bruscamente quando a mulher, logo em seguida, tropeça em um rato morto, um "rato ruivo" e morto .

"Em menos de um segundo estava eu eriçada pelo terror de viver, em menos de um segundo estilhaçava-me toda em pânico, (…)”.

“Então era assim?, eu andando pelo mundo sem pedir nada, sem precisar de nada, amando de puro amor inocente, e Deus a me mostrar o seu rato? A grosseria de Deus me feria e insultava-me. Deus era bruto.”

Albert Camus e Outros

Albert Camus - Sobre Artistas

Por Angela Becker

Cada artista mantém, assim, no fundo de si mesmo, uma fonte única que alimenta durante a sua vida o que ele é e o que diz. Quando a fonte secou, vê-se pouco a pouco a obra endurecer, fender-se. São as terras ingratas da arte que a corrente invisível já não irriga. Com o cabelo raro e seco, o artista, protegido com palha, está maduro para o silêncio, ou para os salões, que vêm a dar ao mesmo. Por mim, sei que a minha fonte está em O Avesso e o Direito, nesse mundo de pobreza e de luz em que vivi por muito tempo e cuja recordação me preserva ainda dos dois perigos contrários que ameaçam todos os artistas: o ressentimento e a satisfação. O Avesso e o Direito (prefácio)

Intersecções entre Filosofia e Literatura

Nietzsche, Kafka e Camus

É certo que o pensamento do filósofo Friedrich Nietzsche exerceu grande influência nas obras de vários escritores e aqui destaco dois: Franz Kafka e Albert Camus.
Segundo alguns estudiosos, Kafka pertenceria ao primeiro grupo de leitores de Nietzsche, os judeus intelectuais da Europa. Os reflexos do pensamento de na obra de Kafka se fariam evidenciar em dois contos: Na Construção da Muralha da China e Na Colônia Penal. Ao relatar como ocorreu construção da Muralha da China, Kafka relata como o homem foi moldando a si mesmo e o seu semelhante, por vezes de forma contínua, por outras com rupturas, agrupamentos, reagrupamentos, mas sem um objetivo claro e determinado. Ao construir a muralha, o homem se constrói, sob o comando de uns e com total obediência por parte da maioria. Na Colônia Penal, a tese sustentada por Nietzsche de que o homem empreendeu um trabalho de adestramento para consigo mesmo e para com o seu próximo, criando normas sem sentido, refreando instintos, mediante o uso da força, do castigo, da tortura e da dor. Em ambos os casos existe uma grande influência com o conteúdo de Para Um Genealogia da Moral. 

No caso de Albert Camus essa influência aparece em vários momentos de sua obra, por vezes de forma explícita, como em a A Queda e a questão do suicídio e por vezes de forma mais refinada. Na segunda parte da premiada obra O Estrangeiro,  passado e o comportamento recente da personagem central, acusado de homicídio, são cuidadosamente apurados e julgados, e acabam por causar uma  enorme estranheza no ânimo dos julgadores, que acabam por condená-lo à pena capital. Para Nietzsche essa pesquisa de antecedentes carece de lógica, tal como a punição  e a pena capital. Da forma escrita e exposta por Camus, a lógica jurídica também carece de qualquer sentido.

Estes são apenas dois reflexos da filosofia nietzschiana na literatura contemporânea, vários outros escritores podem e devem ser citados, possibilitando uma leitura mais rica de obras já consagradas.

Franz Kafka (Praga, 1883 — Klosterneuburg, Áustria, 1924). Advogado de uma corretora de seguros, Kafka foi um escritor de língua alemã, autor de contos curtos e de três romances que lhe garantiu a imortalidade, apesar do autor não conceder valor algum a estes, pedindo mesmo que fossem destruídos. 

Franz Kafka

A Metamorfose (Trecho)

Numa manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregório Samsa deu por si na cama transformado num gigantesco inseto. Estava deitado sobre o dorso, tão duro que parecia revestido de metal, e, ao levantar um pouco a cabeça, divisou o arredondado ventre castanho dividido em duros segmentos arqueados, sobre o qual a colcha dificilmente mantinha a posição e estava a ponto de escorregar. Comparadas com o resto do corpo, as inúmeras pernas, que eram miseravelmente finas, agitavam-se desesperadamente diante de seus olhos. Que me aconteceu ? — pensou. Não era nenhum sonho. O quarto, um vulgar quarto humano, apenas bastante acanhado, ali estava, como de costume, entre as quatro paredes que lhe eram familiares. Por cima da mesa, onde estava deitado, desembrulhada e em completa desordem, uma série de amostras de roupas: Samsa era caixeiro-viajante, estava pendurada a fotografia que recentemente recortara de uma revista ilustrada e colocara numa bonita moldura dourada. Mostrava uma senhora, de chapéu e estola de peles, rigidamente sentada, a estender ao espectador um enorme regalo de peles, onde o antebraço sumia! Gregório desviou então a vista para a janela e deu com o céu nublado — ouviam-se os pingos de chuva a baterem na calha da janela e isso o fez sentir-se bastante melancólico. Não seria melhor dormir um pouco e esquecer todo este delírio? — cogitou. Mas era impossível, estava habituado a dormir para o lado direito e, na presente situação, não podia virar-se. Por mais que se esforçasse por inclinar o corpo para a direita, tornava sempre a rebolar, ficando de costas. Tentou, pelo menos, cem vezes, fechando os olhos, para evitar ver as pernas a debaterem-se, e só desistiu quando começou a sentir no flanco uma ligeira dor entorpecida que nunca antes experimentara. Oh, meu Deus, pensou, que trabalho tão cansativo escolhi! Viajar, dia sim, dia não. É um trabalho muito mais irritante do que o trabalho do escritório propriamente dito, e ainda por cima há ainda o desconforto de andar sempre a viajar, preocupado com as ligações dos trens, com a cama e com as refeições irregulares, com conhecimentos casuais, que são sempre novos e nunca se tornam amigos íntimos. Diabos levem tudo isto! Sentiu uma leve comichão na barriga; arrastou-se lentamente sobre as costas, — mais para cima na cama, de modo a conseguir mexer mais facilmente a cabeça, identificou o local da comichão, que estava rodeado de uma série de pequenas manchas brancas cuja natureza não compreendeu no momento, e fez menção de tocar lá com uma perna, mas imediatamente a retirou, pois, ao seu contato, sentiu-se percorrido por um arrepio gela- do. Voltou a deixar-se escorregar para a posição inicial. Isto de levantar cedo, pensou, deixa a pessoa estúpida. Um homem necessita de sono. Há outros comerciantes que vivem como mulheres de harém. Por exemplo, quando volto para o hotel, de manhã, para tomar nota das encomendas que tenho, esses se limitam a sentar-se à mesa para o pequeno almoço. Eu que tentasse sequer fazer isso com o meu patrão: era logo despedido. De qualquer maneira, era, capaz de ser bom para mim — quem sabe? Se não tivesse de me agüentar, por causa dos meus pais, há muito tempo que me teria despedido; iria ter com o patrão e lhe falar exatamente o que penso dele. Havia de cair ao comprido em cima da secretária! 

"Esperança existe, mas não para nós"

Preocupações de um Pai de Família

Dizem alguns que a palavra Odradek provém do eslavo, e procuram determinar a formação da palavra com base nesta afirmação. Já outros acreditam que ela provenha do alemão, do eslavo ela teria apenas a influência. A incerteza das duas interpretações autoriza entretanto a supor que nenhuma delas acerta, mormente porque nenhuma nos leva a encontrar um sentido para a palavra. Como é natural, ninguém se ocuparia de tais estudos se não existisse realmente um ser chamado odradek. A primeira vista, parece um carretel de linha, achatado e estreliforme, e aparenta, de fato, estar enrolado em fio; é bem verdade que os fios não serão mais do que fiapos, restos remendados ou simplesmente embaraçados de fio gasto, da mais diversa cor e espécie. Mas não se trata apenas de um carretel, pois no centro da estrela nasce uma vareta transversal, de cuja extremidade sai mais outra, em ângulo reto. Com auxílio desta segunda vareta, por um lado, e duma das pontas da estrela por outro, o todo se põe de pé, como sobre duas pernas. Seria o caso de se acreditar que este objeto, outrora, tenha tido alguma finalidade, que agora esteja apenas quebrado. Mas ao que parece, não é o que se dá; ao menos não há sinal disso; não se vê marca alguma de inserção ou de ruptura, que indicasse uma coisa destas; embora sem sentido, o todo parece completo à sua maneira. Aliás, não há como dizer coisa mais exata a respeito, pois Odradek é extraordinariamente móvel e impossível de ser pego. Ele vive alternadamente no sótão, na escadaria, nos corredores, no vestíbulo. Às vezes desaparece por semanas inteiras; provavelmente se muda para outras casas, mas é certo que acaba voltando à nossa. Cruzando a soleira, se ele está encostado no corrimão, lá embaixo, às vezes dá vontade de lhe falar. Não se fazem naturalmente perguntas difíceis, ele é tratado – já o seu tamaninho nos induz – como uma criança. Pergunta-se “qual o teu nome?” Ele responde, “Odradek”. “E onde você mora?” Ele responde, “residência indeterminada”, e ri; mas é uma risada, como só sem pulmões se produz. Soa, quem sabe, como o cochicho de folhas caídas. De hábito, este é o fim da conversa. Mesmo estas respostas, aliás, não é sempre que se obtém; com frequência ele fica mudo, por longo tempo, como a madeira que aparenta ser. Inutilmente eu me pergunto, – dele, o que será? É possível que ele morra? Tudo que morre terá tido, anteriormente, uma espécie de finalidade, uma espécie de atividade, na qual se desgastou; não é o que se passa com Odradek. Será então que no futuro, quem sabe se diante dos pés de meus filhos, e filhos de meus filhos, ele ainda rolará pelas escadas, arrastando os seus fiapos? Evidentemente ele não faz mal a ninguém; mas a ideia de que além de tudo ele me sobreviva, para mim é quase dolorosa.

Edgar Allan Poe (nascido Edgar Poe; Boston, em Massachusetts, nos Estados Unidos, 19 de janeiro de 1809 — Baltimore, em Maryland, nos Estados Unidos, 7 de outubro de 1849) foi um autor, poeta, editor e crítico literário estadunidense, integrante do movimento romântico em seu país.

Edgar Allan Poe

Conhecido por suas histórias que envolvem o mistério e o macabro, Poe foi um dos primeiros escritores norte-americanos de contos. Foi o primeiro escritor americano conhecido por tentar ganhar a vida através da escrita por si só, resultando em uma vida e carreira financeiramente difíceis.[4]

Ernest Miller Hemingway (1899 — 1961) foi um escritor norte-americano, membro dos escritores americanos que passaram pelas duas Grandes Guerras Mundiais.

Ernest Hemingway

A questão do suicídio permeou toda a vida de Hemingway. Seu pai suicidou-se por causa de problemas de saúde e financeiros. A mãe de Hemingway o atormentava com a sua personalidade dominadora. Ela enviou-lhe, pelo correio, a pistola com a qual o seu pai havia se matado. O escritor não sabia se ela queria que ele repetisse o ato do pai ou que guardasse a arma como lembrança. Aos 61 anos e enfrentando problemas de hipertensão, diabetes, depressão e perda de memória, Hemingway decidiu-se pela primeira alternativa. Na manhã de 2 de julho de 1961, Hemingway  disparou contra si mesmo utilizando um fuzil de caça. Todas as personagens deste escritor se defrontaram com o problema da "evidência trágica" do fim. 

John Ernst Steinbeck, Jr.  (1902 — 1968) foi um escritor estadunidense, Nobel de Literatura em 1962.

John Steinbeck

Ainda muito jovem e por influência dos pais, John Steinbeck leu Dostoiévski, Milton, Flaubert e George Eliot. Estreou na literatura com A Taça de Ouro (1929), biografia romanceada do bucaneiro Henry Morgan, já marcada por seu característico estilo alegórico. Publicou em seguida Pastagens do céu (1932) e A Um Deus Desconhecido (1933). Suas primeiras obras não lhe garantiram a profissionalização como escritor. Em 1935 firmou-se como autor de prestígio com Boêmios Errantes, que recebeu melhor acolhimento.  Os mais importantes romances de Steinbeck foram escritos entre 1936 e 1938: Luta Incerta (1936), Ratos e Homens (1937); As Vinhas da Ira (1939), considerado sua obra-prima. Steinbeck teve 17 de suas obras adaptadas para filmes e alcançou sucesso como escritor para filmes, tendo sido indicado em 1944 ao Óscar de melhor história pelo filme Um Barco e Nove Destinos (Lifeboat) de Alfred Hitchcock.

Segundo o jornal Svenska Dagbladet a Academia Sueca concedeu o prêmio Nobel de 1962 ao autor por considerar que não havia “nada melhor”. Segundo a versão oficial Steinbeck teria recebido o prêmio “Por seus trabalhos realistas e imaginativos que combinam humor, simpatia e percepção social incisiva.”

Jerome David Salinger (1919 — 2010), mais conhecido como J.D. Salinger, foi um escritor norte-americano tido como um dos mais influentes do período pós-guerra.

J.D. Salinger

J.D. Salinger ficou conhecido por causa de seus contos publicadas na revista The New Yorker, sobretudo pelo aclamado conto Um Dia Perfeito para Peixe-Banana. Com o romance O Apanhador no Campo de Centeio, Salinger tornou-se conhecido mundialmente, passando a ocupar lugar de destaque na literatura mundial. 

O sucesso chamou atenção do público que, a partir de então, torna-se recluso, publicando menos do que antes. Ainda publica Noove Estórias em 1953; o enigmático Franny & Zooey em 1961; Levantem a Comunheira Bem Alto, Carpinteiros e Seymour: Uma Introdução em 1963. As personagens destes destes três livros pertencem à Família Glass, sendo que o nome do principal personagem, o irmão mais velho Seymour Glass é um trocadilho para See More Glass (Vidro [através do qual] se vê mais).  Seu último trabalho publicado foi um conto intitulado Hapworth 16, 1924, publicado pela The New Yorker em 19 de junho de 1965. Salinger continuou escrevendo em reclusão, mas nada mais foi publicado. Faleceu  em 2010.

Jean-Louis Lebris de Kerouac (Lowell, Massachusetts, 12 de Março de 1922 — São Petersburgo, Flórida, 21 de Outubro de 1969), mais conhecido por Jack Kerouac, foi um escritor estadunidense de ascendência franco-canadense e um do líderes do movimento literário conhecido como geração beat.

Jack Kerouac

Anos antes de alcançar a fama, Jack Kerouac aceitou um emprego como guarda florestal no Desolation Peak no verão de 1956.  A experiência de um isolamento total, longe de tudo e de todos, junto à natureza, lão desejada, quase custou-lhe a sanidade e foi posteriormente relatado na obra "Anjos da desolação"

Essa intensa tentativa de equilibrar a vida selvagem da cidade com valores do velho mundo, regado a álcool e drogas, caracteriza a forma e o conteúdo da obra de Kerouac. 

Kerouac passou anos de sua vida viajando pelos Estados Unidos. Com método intenso inovador de escrever de Jack Kerouac escreveu sua obra-prima “On The Road”, livro que seria consagrado mais tarde como a “Bíblia Hippie”, em apenas três semanas. O fôlego narrativo impressionou, Jack usava uma máquina de escrever e uma série de folhas de papel manteiga, que cortava para servirem a máquina, juntadas por fita adesiva para não ter de trocar de folha a todo momento. Redigia de forma ininterrupta, invariavelmente sem a preocupação de cadenciar o fluxo de palavras com parágrafos.

Os rolos quilométricos de texto tiveram de ser revisados, foram inseridos pontos e vírgulas e praticamente 120 páginas do original foram eliminadas. O estilo-avalanche de Jack tinha ainda um elemento intensificador, o álcool e as drogas.   

O sucesso e o prestígio conquistados após a publicação de "On the Road", em 1957, deixaram Jack atormentado. Apesar de eventuais críticas positivas que realçavam o caráter inovador da obra, muitos o tacharam de subliterato e imoral.

Apesar do estereótipo de beat — ou beatnik, alcunha que Kerouac detestava e rejeitava — o escritor era um conservador, especialmente sob a influência de sua mãe católica.

O problema do alcoolismo piorou com o tempo. Solitário, foi morar com a esposa com sua mãe em Long Island.

Em 21 de outubro de 1969, Jack Kerouac morreu de hemorragia, consequência de uma cirrose, com 47 anos, num hospital em São Petersburgo, na Flórida. O amigo e agente literário Allen Ginsberg reverencia seu talento: “Eu não conheço outro escritor que teve influência tão produtiva quanto Kerouac, que abriu o coração como escritor para contar o máximo dos segredos da sua própria mente”. 

Kurt Vonnegut Jr. (1922 — 2007) foi um escritor norte-americano de ascendência germânica. Incluso no grupo dos escritores americanos que passaram pela Segunda Grande Guerra mundial, Kurt publicou 14 romances, três coletâneas de contos, cinco peças de teatro e cinco trabalhos de não-ficção ao longo de uma carreira de 50 anos. Várias coletâneas foram publicadas após a sua morte. Seu livro Matadouro 5 de 1969, é uma das poucas obras que descrevem o bombardeio da cidade de Dresden pelos ingleses, ocorrido após o término da guerra. 

Kurt Vonnegut

Kurt publicou seu primeiro livro, Player Piano, em 1952. O livro recebeu várias resenhas positivas, mas não foi um sucesso comercial. Nos 20 anos seguintes, Kurt publicaria diversos livros bem avaliados e vendidos, como The Sirens of Titan, 1959 e Cat's Cradle, 1963, que foram indicados ao Prémio Hugo. Em seguida publicou uma coletânea de contos, chamada Welcome to the Monkey House em 1968. O sucesso comercial e de crítica veio com seu sexto livro, Slaughterhouse-Five (1969). O sentimento anti-guerra do livro impactou os leitores que estavam atravessando a Guerra do Vietnã. Depois de seu lançamento, o livro foi para o primeiro lugar na lista de livros mais vendidos do The New York Times, o que elevou o nome de Kurt à fama. Ele passou a ser convidado para palestras e leituras coletivas pelo mundo, recebendo vários prêmios. Mais tarde em sua carreira, Kurt publicou vários ensaios autobiográficos e coletâneas de contos, incluindo Fates Worse Than Death (1991) e A Man Without a Country (2005). Vonnegut sempre foi comentarista social dotado de inigualável bom humor. O filho de Kurt, Mark Vonnegut, publicou uma compilação de composições inéditas do pai, chamada Armageddon in Retrospect. Em 2017, a editora Seven Stories Press publicou Complete Stories, uma coletânea de contos do autor, incluindo alguns inéditos.

Henry Charles Bukowski ,  nascido Heinrich Karl Bukowski; Andernach, 16 de agosto de 1920 — Los Angeles, 9 de março de 1994) foi um poeta, contista e romancista estadunidense nascido na Alemanha.

Charles Bukowski

Com a onda moralista que assola estes tempos, a obra de obra de Bukowski costuma ser classificada como obscena e de estilo totalmente coloquial, com temas restritos à descrições de trabalhos braçais, porres e relacionamentos baratos. Não é bem assim, a obra de Bukowski é extensa, diversificada, e certamente causará impacto no puritano que desconhece quão vasto pode ser o universo de uma vida errante e divergente. Vários filmes foram feitos sobre a vida e obra de Charles Bukowski. 

Nelle Harper Lee (Monroeville, Alabama, 28 de abril de 1926 - Monroeville, 19 de fevereiro de 2016) foi uma escritora norte-americana, ganhadora do Prémio Pulitzer de Ficção em 1961 pela sua obra de ficção To Kill a Mockingbird (Brasil: O Sol é Para Todos) e 29 anos depois a continuação em Go Get a Watchman.

Harper Lee

Em 11 de julho de 1960 Harper Lee publicou O Sol É para Todos (To Kill a Mockinbird) tornando-se sucesso de público e crítica. Após décadas lançou a continuação no igualmente premiado Vá, Coloque um Vigia Go Set a Watchman. , e desde então nunca mais lançou um livro até que fosse descoberto o Vá coloque uma vigia, escondido numa caixa, e lançado em 2015.[1] Em 2007 foi premiada com a "Medalha Presidencial da Liberdade dos Estados Unidos" por suas contribuições à literatura.[2]

William Shakespeare (Stratford-upon-Avon, 1564  — Stratford-upon-Avon, 1616) foi um poeta, dramaturgo e ator inglês, tido como o maior escritor do idioma inglês e o mais influente dramaturgo do mundo.

William Shakespeare

Shakespeare é o poeta nacional da Inglaterra. De suas obras restaram 38 peças, 154 sonetos, dois longos poemas narrativos, e mais alguns versos esparsos. Suas peças foram traduzidas para todas as principais línguas modernas e são encenadas no teatro, televisão e cinema, mais do que as de qualquer outro dramaturgo. A multiplicidade de gêneros literários rendeu-lhe homenagens e críticas. Suas  peças mais icônicas no gênero da tragédia são: Romeu e Julieta, Hamlet, Otelo e Macbeth. Dentre as comédias destacam-se: A Megera Domada, Sonhos de uma Noite de Verão, O mercador de Veneza e A tempestade.  É comum interpretações errôneas de O Mercador de Veneza como tragédia. Esta peça em particular, mereceu especial atenção por parte Jhering, Hegel e Nietzsche. Para muitos críticos, o último grande escritor de peças teatrais.

William Blake (Londres 1757 — Londres 1827) foi um poeta, tipógrafo e pintor inglês, sendo sua pintura definida como pintura fantástica.  Em sua obra pode ser encontrada severas críticas à Revolução Industrial e à desigualdade social que predominava na Inglaterra de seu tempo.

William Blake

O Casamento do Céu e do Inferno

Todas as Bíblias ou códigos sagrados foram as causas dos seguintes Erros:
1. Que o Homem tem dois princípios existentes reais, a saber: um Corpo e uma Alma.
2. Que a Energia, chamada Mal, é apenas do Corpo, e que a Razão, chamada Bem, é apenas da Alma.
3. Que Deus atormentará o Homem pela Eternidade por seguir suas Energias.
Mas os seguintes Contrários são Verdadeiros:
1. O Homem não tem Corpo distinto de sua Alma, pois o que é chamado Corpo é uma porção da Alma discernida pelos cinco Sentidos, os condutos principais da Alma nesta era.
2. A Energia é a única vida e é do Corpo, e a Razão é a amarra ou circunferência exterior da Energia.
3. A Energia é o Deleite Eterno

Jerusalem


And did those feet in ancient time,
Walk upon Englands mountains green:
And was the holy
Lamb of God,
On Englands pleasant pastures seen!
And did the Countenance Divine,
Shine forth upon our clouded hills?
And was Jerusalem builded here,
Among these dark Satanic Mills?
Bring me my Bow of burning gold:
Bring me my Arrows of desire:
Bring me my Spear:
O clouds unfold:
Bring me my Chariot of fire!
I will not cease from Mental Fight,
Nor shall my Sword sleep in my hand:
Till we have built Jerusalem,
In Englands green & pleasant Land.

Abaixo do poema Blake inseriu a seguinte passagem bíblica:
"Would to God that all the Lords people were Prophets" Numeros XI.  Cap. 29. v 8

Oscar Fingal O'Flahertie Wills Wilde, ou simplesmente Oscar Wilde (Irlanda, 1854 — Paris,  1900), foi um o escritor e dramaturgo mais influente da Inglaterra do Sec. XIX.  Conhecido por sua sagacidade, ditos espirituosos e ricos em sarcasmo, ironia e cinismo. Em plena Inglaterra vitoriana, Oscar Wilde foi preso por atividades homossexuais, naquele que provavelmente foi o primeiro julgamento de celebridades da história contemporânea.

Os Três Processos de Oscar Wilde

Segundo filho de  então famoso médico, Dr. William Wilde e da poetisa e escritora Speranza Wilde Oscar Fingal O’Flahertie Wills Wilde nasceu na Irlanda, no ano de 1854. Em 1985 Oscar Wilde já era um escritor de fama mundial. Suas peças lotavam os teatros londrinos. Casado com Constanza Wilde e pai de dois filhos Oscar Wilde desfrutava de uma posição social privilegiada. Toda Londres sabia que Oscar Wilde mantinha vários relacionamentos homossexuais, o que era proibido por lei, mesmo após casado, o que só agravava o crime. Dentre esses relacionamentos sobressaia-se o seu caso com o jovem Lorde Alfred Douglas, filho do Marquês de Queensberry. Wilde se apaixonara por Douglas , com quem compartilhava um estilo de vida próprio e bastante excêntrico. O Marquês de Queensberry, homem de gênio agressivo, (autor de várias regras do boxe), repudiava veemente o relacionamento de Wilde com o seu filho Alfred. Wilde era vários anos mais velho do Alfred, a quem chamava carinhosamente de Bosie. O Marquês de Queensberry chegou a tomar atitudes extremas, dentre elas, tentou invadir a estreia de uma peça de Wilde carregando não flores mas sim verduras e legumes podres. Queensberry também chegou a invadir a casa de Wilde. Mas nada abalava o relacionamento amoroso entre Wilde e Bosie. A gota d’água veio na forma de um cartão escrito por Queensberry, endereçado a Wilde e deixado na portaria de um clube que ambos frequentavam. Nesse cartão Queensberry escreveu: “To Mr. Oscar Wilde, posing sodomite.” O bilhete foi recebido por Wilde como uma afronta. Insuflado por Bosie, Wilde decidiu mover uma ação penal contra Queensberry por  calúnia e difamação  na corte Old Bailey. Em sua defesa, Queensberry alegou não tratar-se de calúnia alguma e entrou com uma exceção de veracidade, trazendo a juízo diversos garotos de programa que já haviam tido relações sexuais com Wilde. Em um dos depoimentos que prestou, Wilde fez uma piada de duplo sentido que acabou por condená-lo. O Marquês de Queensberry havia vencido as duas ações: conseguira provar em juízo que Oscar Wilde cometera atos homossexuais. Não conseguira explicitar quais atos. Diante da constatação da prática de crimes de indecência grotesca, o Estado não poderia permanecer inerte. Queensberry  lembrou ao Procurador Geral que era seu dever tomar as medidas judiciais pertinentes. Wilde foi condenado a dois anos de trabalhos forçados em Reading Goal. Enquanto esteve preso, a mãe de Wilde morreu, sua esposa pediu o divórcio e voltou a utilizar, juntamente com seus filhos, o sobrenome de solteira, Holland. Os bens de Wilde foram apreendidos e levados a leilão para pagar as custas dos processos. De dentro do cárcere, Oscar Wilde escreveu carta a Bosie, uma das mais belas obras da literatura mundial, intitulada De Profundis.

Segue abaixo algumas máximas de Oscar Wilde. 

Apenas Algumas Máximas de Oscar Wilde

"Fazer parte da sociedade é uma amolação, mas estar excluído dela é uma tragédia." in Uma Mulher Sem Importância

"A experiência não tem nenhum valor ético, é simplesmente o nome que damos aos nossos erros." in O Retrato de Dorian Gray

"O amor é quando começamos por nos enganar a nós próprios e acabamos por enganar a outra pessoa." in O Retrato de Dorian Gray

"Amar é ultrapassarmo-nos." in O Retrato de Dorian Gray

"A única diferença que existe entre um capricho e uma paixão eterna é que o capricho dura um pouco mais. " in O Retrato de Dorian Gray

"Amar a si mesmo é o início de um romance para toda a vida."  in  Um Marido Ideal

"Eles estragam todo romance tentando fazer com que dure para sempre. in O Retrato de Dorian Gray

"Eu vejo quando os homens amam as mulheres. Eles lhes dão apenas um pouco de suas vidas. Mas as mulheres, quando amam, dão tudo." in A Duquesa de Pádua

"Todo mundo é capaz de sentir os sofrimentos de um amigo. Ver com agrado os seus êxitos exige uma natureza muito delicada."  A Alma do Homem sob o Socialismo

"Em última instância, o combustível de todo companheirismo, seja num casamento ou numa amizade, é a conversa."  in De Profundis

"Ele não tem inimigos, mas é intensamente odiado por seus amigos. in The Works of Oscar Wilde

"A amizade nunca esquece. Essa é uma coisa maravilhosa sobre ela." in O amigo Devotado

"A melhor maneira de começar uma amizade é com uma boa gargalhada. De terminar com ela, também." in O Retrato de Dorian Gray

"A própria essência do romance é a incerteza." in A Importância de ser Prudente

"Os velhos acreditam em tudo, as pessoas de meia idade suspeitam de tudo, os jovens sabem tudo." in Frases e Filosofias para Uso dos Jovens

"A literatura antecipa sempre a vida. Não a copia, molda-a aos seus desígnios." in  A Decadência da Mentira

"A vida é muito importante para ser levada a sério." in O Leque de Lady Windermere

"Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe." in A Alma do Homem sob o Socialismo.

"Quando eu era jovem, pensava que o dinheiro era a coisa mais importante do mundo. Hoje, tenho certeza." in O Retrato de Dorian Gray - adaptado.

"Se soubéssemos quantas e quantas vezes as nossas palavras são mal interpretadas, haveria muito mais silêncio neste mundo." 

"Ser grande significa ser incompreendido."  in carta para James McNeill Whistler

"O trabalho é a praga das classes bebedoras." in Oscar Wilde - Sua Vida e Confissões

"Os que são amados pelos deuses amadurecem sem envelhecer. "n "Frases e Filosofias para Uso dos Jovens

Nikolai Vasilievich Gogol (1809 - 1852) foi um proeminente escritor do Império Russo.

Nikolai Vasilievich Gogol

A nacionalidade e Gogol é motivo de polêmica, pois sua cidade natal fazia parte do Império Russo na época, mas atualmente pertence à Ucrânia. Como consequência, tanto a Rússia quanto a Ucrânia reivindicam a sua nacionalidade. Apesar de muitos de seus trabalhos terem sido influenciados pela tradição ucraniana, Gogol escreveu em russo e sua obra é considerada herança da literatura russa. Toda a sua obra é fundada no realismo, mas um realismo muito próprio, com rasgos de surrealismo..

Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski  (1821 -  1881)  foi um escritor e jornalista do Império Russo. É considerado um dos maiores romancistas da história da literatura mundial. 

Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski 

Após o término de sua formação acadêmica como engenheiro, Dostoiévski passou a trabalhar integralmente como escritor, produzindo romances, novelas, contos, memórias, escritos jornalísticos e escritos críticos e  editor de suas próprias revistas próprias. Em suas obas  abordou o sofrimento humano, a culpa, o livre-arbítrio, o cristianismo,  o niilismo, a pobreza, a violência, o assassinato, o altruísmo, além de analisar transtornos mentais, muitas vezes ligados à humilhação, ao isolamento, ao sadismo, ao masoquismo e ao suicídio. Pela retratação filosófica e psicológica profunda e atemporal dessas questões, seus escritos costumam ser chamados de romances psicológicos. Dostoiévski logrou atingir certo sucesso já com seu primeiro romance, Gente Pobre. Por causa de suas críticas à política czarista, Dostoiévski foi preso  e condenado à morte contudo a pena foi suspensa no último momento antes do fuzilamento. O trauma desencadeou uma epilepsia que o acompanhou até sua morte. Obras como Recordações da Casa dos Mortos, a qual trata dos anos que passou na prisão,  Crime e Castigo, O Idiota, Os Demônios e os Irmãos Karamazov tornaram-se clássicos da literatura universal.  A influência de Dostoiévski é ímpar: ele influenciou diretamente a Literatura, a Filosofia, a Psicologia. A primeira parte de sua obra Memórias do Subterrâneo funda o movimento cultural do Existencialismo.

Lev Nikolaevitch Tolstoi, mais conhecido em português como Leão, Leon, Leo ou Liev Tolstói  (1828 —  1910), foi um dos maiores escritores russo de todos os tempos.

Leon Tolstói

De origem Nascido aristocrática, Tolstói é conhecido pelos romances Guerra e Paz (1869) e Anna Karenina (1877). Alcançou aclamação literária ainda jovem.  A obra de Tolstói inclui dezenas de histórias curtas e várias novelas como A Morte de Ivan Ilitch (1886), Felicidade Conjugal (1859) e Hadji Murad (1912). Ele também escreveu algumas peças e diversos ensaios filosóficos. Durante a década de 1870, Tolstói experimentou uma profunda crise moral, seguida do que ele considerou um despertar espiritual igualmente profundo, conforme descrito em seu trabalho não-ficcional A Confissão (1882). Sua interpretação literal dos ensinamentos éticos de Jesus, centrada no Sermão da Montanha, fez com que ele se tornasse um fervoroso cristão e pacifista. A partir de então, Tolstói  passa a dividir a sua obra, considerando Ann Karenina um capricho da juventude. As ideias de Tolstói sobre resistência sem violência, expressadas em obras como O Reino de Deus está dentro de vós (1894), teriam um impacto profundo em figuras centrais do século XX como Ludwig Wittgenstein, William Jennings Bryan e Gandhi.  Tolstói também se tornou um defensor dedicado do Georgismo, filosofia econômica de Henry George, incorporada em sua obra intelectual, sobretudo em seu último romance Ressurreição (1899). Também é considerado um dos fundadores do abolicionismo das penas judiciais.

Nikolai Semiónovich Leskov (1831 — 1895) foi um escritor russo, conhecido como o maior deles pelos próprios contemporâneos. 

Nikolai Leskov

Por também ser comerciante, Leskov  percorria toda a Rússia descrevendo impressões, contos e  crônicas. Foi considerado o maior escritor russo pelos seus pares e o maior narrador, por Walter Benjamin. Nesse sentido, ver o ensaio o Narrador.

Anton Pavlovitch Tchekhov, (1860 —  1904)  foi um médico, dramaturgo e escritor russo, considerado um dos maiores contistas de todos os tempos.

Anton Tchehkov

Tchekhov costumava dizer que  "A medicina é a minha legítima esposa; a literatura é apenas minha amante"

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